Igor Natusch
“Um dois, um dois, acabou a brincadeira. Essa é a verdadeira Ipanema!” Com essa frase, pronunciada logo após as 17h desta segunda-feira (15), a rádio Ipanema FM encerrou uma ação publicitária que provocou polêmica entre os ouvintes da emissora de Porto Alegre. Segundo os apresentadores, que fizeram no ar o anúncio, tudo havia sido apenas uma “brincadeira”, feita para reafirmar a postura da rádio como um espaço que vai contra a mesmice e não tem medo de ousar. A reação parece ter sido mista: parte do público aprovou a ação e até elogiou a iniciativa, enquanto outros se disseram chateados ou até mesmo ofendidos com a falsa mudança de programação.
“Não quisemos fazer ninguém de bobo”, disse um dos apresentadores, no ar, durante a revelação. “A gente queria sair um pouco da mesmice. Alguns não encararam da maneira certa”. A reação negativa de parte do público foi bastante citada durante a fala, que durou pouco menos de dez minutos. Segundo os apresentadores, não se tratou de um expediente de marketing, mas sim de uma “poesia midiática” e uma reafirmação de princípios. Termos reforçados por nota oficial divulgada pela Ipanema FM, quase ao mesmo tempo em que os comentários eram feitos no ar. “O anúncio das mudanças na rádio não foi mera jogada de marketing, nem pegadinha. Foi simplesmente a Ipanema sendo a rádio livre de sempre”, diz a nota.
Alberto Ourique, redator da Dez Propaganda e um dos responsáveis pela campanha, diz que o primeiro sentimento dos envolvidos é de que a ação está tendo resultados promissores. “Sentimos que a maioria dos indignados, na medida em que foram entendendo a brincadeira, mudaram o tom das críticas”, afirma, em entrevista ao Sul21. “Sabíamos que estávamos mexendo com muitos egos, um público fervoroso. Mas resolvemos abraçar a ideia e ir até o fim, sem medo de desagradar algumas pessoas”. A ação vinha sendo planejada há cerca de um mês, e contou com “muita conversa” entre a agência e a rádio, o que acabou mudando bastante os rumos da campanha.
O publicitário explica que a Ipanema FM é uma “love mark” – ou seja, uma marca que as pessoas não apenas respeitam, mas que é vista de forma afetiva por um público bastante consolidado. “Nosso norte era buscar uma comprovação disso”, diz Ourique. “E que o público participasse, relembrasse a importância da Ipanema, mostrasse na própria indignação que a Ipanema é uma rádio diferenciada e terminasse reconciliado com ela”.
Até briga no ar foi simulada por locutor
Os boatos de que a programação da Ipanema seria radicalmente modificada foram reforçados na última sexta (12), quando o locutor Cláudio Cunha reclamou no ar das supostas mudanças que iniciariam na segunda, com direito a discussão nos bastidores e saída repentina do ar. Desde a meia noite de segunda, a rádio tinha passado a executar músicas totalmente desvinculadas da linha tradicional da emissora. Voltada ao rock e à música alternativa, a Ipanema tocou pagode, sertanejo, pop internacional e música romântica, entre outras.
A página da emissora não permitia acesso a nenhuma das sessões anteriormente disponíveis – era possível apenas clicar em um botão para ouvir, via streaming, a inusitada programação. A estratégia envolveu também uma suposta mudança no logotipo: ao invés de destacar a letra “n”, como habitualmente, a nova identidade visual da estação destacava o “i”. Mudanças que não serão mantidas, já que eram apenas parte da ação publicitária.
De qualquer modo, a divulgação de que as mudanças não seriam assim tão radicais demonstra que o resultado da ação surpreendeu os próprios responsáveis. Fontes consultadas pelo Sul21 davam conta de que o comunicado oficial estava programado para as 20h de segunda-feira (15). No entanto, o aviso ocorreu às 17h, três horas antes do planejado. Alberto Ourique, da Dez, confirma a antecipação. “A gente puxou porque achamos que estava ficando um pouco chato”, admite, referindo-se à repetição de músicas sem relação com a programação usual da Ipanema FM. “Além disso, era importante acabar com a brincadeira em um horário de pico da internet, para que todos estivessem online e ficassem sabendo mais ou menos ao mesmo tempo”.
Algo bastante comentado na internet durante a segunda-feira – o fato de que a Ipanema está com 27 anos, idade sempre associada com a morte de astros do rock – foi um “acaso”, segundo Ourique. Segundo ele, a ideia vinha sendo tratada desde antes do falecimento da cantora Amy Winehouse, que trouxe o número 27 de volta ao imaginário de quem gosta de música. “Foi uma coincidência. Não diria feliz, claro, mas acabou coincidindo”.
Para publicitário, ação foi “indelicada”
“Viral é que nem vírus: o pessoal acaba desenvolvendo anticorpos”, diz Tiago Mattos, diretor da escola publicitária Perestroika. O publicitário tem visões distintas sobre o caso. Como profissional, questiona o método adotado, que considera um tanto batido dentro do meio publicitário; como ouvinte, diz ter achado a ação um pouco “indelicada”, pelo modo como lidou com todos que respeitam e gostam da emissora. “Respeito muito a Ipanema, que se tornou até um ícone da galhofa pelo modo como costuma tratar as coisas”, diz Mattos. “Mas, se eu fosse dar um palpite, sem conhecer os levantamentos de resultado, diria que eles não fariam isso de novo”.
“Temos até o momento o começo da história, com acertos e erros, mas ainda não a resposta”, diz Eduardo Menezes, diretor de criação da agência Boca. “E o que segura a rádio é a resposta em forma de programação, que vai estar no ar nas próximas semanas”. Caso a Ipanema FM atinja seus objetivos, entregue uma rádio mais relevante e uma programação de mais alcance, a ação venceu. Caso a rádio fique na mesma, a ação foi muito barulho por nada”. De acordo com o publicitário, quem propõe um diálogo sobre o conteúdo que entrega, colocando-se como guardião do bom gosto e da atitude, fica com o compromisso de entregar uma rádio melhor do que a que poe no ar hoje em dia.
Os publicitários consultados pelo Sul21 concordam em dois pontos. Primeiramente, que ainda é muito cedo para avaliar o real impacto, positivo ou negativo, da ação. Em segundo lugar, que dificilmente a rádio perderá ouvintes com a história. “Tudo acontece muito rápido na rede”, diz Tiago Mattos, da Perestroika. “A revolta surge com rapidez e desaparece rápido também. Não acho que se crie um problema, que a rádio vai quebrar”. Eduardo Menezes, da Boca, reforça essa visão. “Acho que a ação não foi longe demais, não. A Ipanema é mais contestadora e esse é o seu posicionamento editorial e comercial, abertamente defendido sem problema algum. Para mim, o que ficou delicado é que a Ipanema FM colocou no ar uma programação bizarra e algumas pessoas começaram a tuitar que a bizarrice estava melhor que a Ipanema normal. Ou seja, tem muita coisa para rever na rádio de acordo com parte da antiga audiência, ou com o ‘target’ que eles querem conquistar”.
A partir de agora, a campanha deve continuar em peças divulgadas em jornais, revistas e na própria rádio, usando como gancho a hashtag #sabequenão, usada no comunicado oficial da Ipanema FM. O reposicionamento deve ocorrer em um segundo momento, incluindo mudanças na programação da emissora. Mas, segundo Alberto Ourique, os ouvintes podem ficar tranquilos: a guinada pop da Ipanema foi mesmo uma brincadeira.
