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2 de julho de 2011
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09:00

Pirisca Grecco: identidade gaúcha, passaporte para o mundo

Por
Sul 21
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Pirisca Grecco em entrevista ao Sul21 na casa do músico Texo Cabral em Porto Alegre | Foto: Ramiro Furquim/Sul21


Daniel Cassol

O músico Pirisca Grecco nasceu em Uruguaiana, no ano de 1971, na mesma semana em que a cidade assistia à primeira edição da Califórnia da Canção Nativa, o pioneiro dos festivais nativistas do Rio Grande do Sul. Aos 40 anos, a Califórnia está parada. Pirisca, muito pelo contrário.

Colecionador de troféus Açorianos de intérprete regional, Pirisca anda com a cabeça no mundo. Com o projeto “Clube da Esquila”, que vem sendo realizado no bar Dhomba, em Porto Alegre, ele convida músicos de naipes diferentes e tenta se afastar da eterna ronha estética que envolve a música regionalista e as limitações impostas pelo tradicionalismo. “Tenho carteira de identidade gaúcha e passaporte para viajar a qualquer lugar do mundo”, reivindica.

De lenço no pescoço e bombacha, o músico regionalista empunha sua guitarra sem maiores preocupações em definir que estilo representa, se está ofendendo os rígidos preceitos tradicionalistas ou se, por outro lado, está agradando ou não os ouvidos mais urbanos. Não é pouca coisa em um meio musical marcado pelo conservadorismo dos que estão dentro e o preconceito dos que estão fora.

"O regional está em nós. A gente procura é não imitar, mas buscar uma possibilidade nova” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“A gente faz música por gostar, e mistura elementos contemporâneos. Nossa banda tem flauta, bateria, guitarra, baixo, acordeon, e queremos agregar convidados. Queremos que o pessoal volte os olhos para a música gaúcha”, diz Pirisca, que recebeu o Sul21 na casa do flautista Texo Cabral, um dos integrantes do grupo “La Comparsa Elétrica”, que o acompanha.

Pirisca havia acabado de chegar de Lages, em Santa Catarina, onde participara da Sapecada da Canção Nativa. Na manhã seguinte, passaria o feriado de Corpus Christi em Uruguaiana, e voltaria a Porto Alegre para mais uma edição do “Clube da Esquila”, realizada na última terça-feira (28).

Simbolicamente, foi uma apresentação importante. Depois de tocarem com Tonho Crocco e com Esteban Tavares, da banda Fresno, “Pirisca Grecco y La Comparsa Elétrica” receberam o Tambo do Bando, que se reuniu novamente apenas para a noite no Dhomba.

Comandado pelo poeta e escritor Luiz Sérgio Metz, o Sérgio Jacaré, o Tambo do Bando marcou a música nativista gaúcha nos anos 80 ao propor uma estética semelhante à de Pirisca, qual seja, cantar a aldeia sem esquecer que se vive no mundo. De certa forma, Carlos Cachoeira, Vinícius Brum, Texo Cabral e Beto Bolo endossaram a proposta de Pirisca Grecco. E se na época o Tambo enfrentou resistências, Pirisca não deixa de ouvir críticas de setores mais conservadores.

"O artista não pode ter preconceito. Eu não posso botar um limite na minha composição" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

– Eu leio algumas coisas por aí, inclusive de músicos, principalmente na internet. Tem muita gente usando a rede para polemizar. Mas eu recomendo: fecha o teu computador e abre tua gaita. É mais digno sair estrada afora, espalhando as tuas ideias, se defendendo, formando uma opinião.

Se não é inédita a proposta de misturar o regionalismo com tendências universais, é notável o desprendimento com que Pirisca se dedica à música, sem afetações, preconceitos ou restrições de quailquer ordem.

– Eu percebo a gauchada acomodada. É mais fácil achar do que fazer. Já aconteceu de me perguntarem o que eu acho da minha música: eu não tenho tempo de achar. Eu faço. Existe quem acha e existe quem faz. Eu acho alguma coisa da seleção brasileira, do governo Tarso, mas na música preciso aproveitar para fazer, abrir porteiras. Tem que regar a sementinha. Às vezes, pro gaúcho, é muito mais fácil achar do que tomar uma atitude.

Pirisca Grecco é um músico regionalista do Rio Grande do Sul. Carrega o sotaque da terra natal; usa boina, lenço e bombacha; canta os “costumes do meu pago” e regrava Telmo de Lima Freitas, mas faz jus ao passaporte para o mundo. Com a “Comparsa Elétrica”, toca clássicos regionalistas e envereda para músicas que mais parecem um rock salteado com vaneirão. “Eu sou um gaúcho rock and roll”, define.

Disco do "Clube da Esquila", um trocadilho com o "Clube da Esquina", será lançado este ano | Reprodução/USA Discos

– O artista não pode ter esse tipo de preconceito. Eu não posso botar um limite na minha composição. Eu quero, quando o Lenine vier a Porto Alegre, que ele saiba que existe o Clube da Esquila e toque com a gente. Quero que o Yamandu Costa nos visite, que a Maria Rita passe lá para cantar. Faço música para todos.

Defensor da espontaniedade, pouco afeito a rótulos mas, ao mesmo tempo, tranquilo e convicto de que faz música gaúcha, Pirisca Grecco é também um ativista da música regional. No Twitter (@piriscagrecco), lançou uma “campanha” para cada músico replicar as agendas dos colegas. Anda pensando em movimentar músicos uruguaianenses para reativar a Califórnia, que vive mais um período de crise. E se prepara para lançar o disco do “Clube da Esquila” ainda este ano.

A vontade de fazer uma música com identidade própria o levou até mesmo a criar, com os parceiros musicais, um ritmo próprio – o compasso taipeiro, uma espécie de chamamé mais lento, ou uma zamba gaucha mais acelerada. “O compasso taipeiro surgiu em respeito aos argentinos. Fomos tocar no festival de Cosquín e não podíamos de forma nenhuma chamar o que fazíamos de chamamé. Tocamos o compasso taipeiro, com bateria, guitarra, em português. É uma possibilidade nova”, explica. “É um brinde à espontaneidade. O regional está em nós. A gente procura é não imitar, mas buscar uma possibilidade nova”, acredita.

E buscando novas possiblidades sem abrir mão da carteira de identidade regional, Pirisca vê um futuro próximo de maior valorização da música nativista, com mais abertura por parte de quem produz e menos preconceito de quem não está acostumado.

– Os tempos são outros, é cada vez maior o número de bares que querem a música gaúcha, por exemplo. Isso vai levar um tempo. Enquanto isso vamos fortalecendo os laços de amizade e criando coisas novas. Ninguém aguenta mais ir num barzinho e ouvir as mesmas músicas. O nativismo é a grande saída musical para o Rio Grande, porque é uma nova verdade, cantar o que é nosso. O Clube da Esquila quer trazer isso e experimentar com a música gaúcha.

Ouça a música “Quem eles são”, com letra de Carlos Omar e música de Pirisca Grecco.

Pirisca – Quem Eles São by Sul-21


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