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29 de julho de 2011
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14:13

Economista da UnB defende redução da Selic para segurar alta do real

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Sul 21
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José Luís Oreiro: “Lógico que o controle de capitais ajuda um pouco. Certamente está ajudando a evitar desvalorização ainda maior do dólar, mas só isso não basta” | Foto: Marcello Casal Jr./ABr

Felipe Prestes

A valorização do real, que nesta semana chegou a seu maior patamar na relação com o dólar em 12 anos, precisa ser combatida com a redução da taxa Selic, defende o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro. “Eu não estou vendo por parte do governo de Dilma Rousseff nenhuma medida concreta neste sentido. Enquanto isso não for feito, vamos ficar operando com tendência à sobrevalorização da taxa de câmbio”, afirma.

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De acordo com Oreiro, as medidas anunciadas pelo governo nesta semana, taxando operações do mercado especulativo, apenas amenizam o quadro. “Lógico que o controle de capitais ajuda um pouco. Certamente está ajudando a evitar desvalorização ainda maior do dólar, mas só isso não basta”, alerta.

A crise financeira nas economias mais desenvolvidas torna natural o movimento do capital especulativo rumo aos países em desenvolvimento, como a brasileira. A enxurrada de dólares para o Brasil desvaloriza a moeda norte-americana perante o real.  Mas este fluxo natural de dólares não explica tudo.

Segundo o professor da UnB, o País dá uma força e tanto aos especuladores, porque as altas taxas de juros rendem um grande lucro em curto prazo. “Há uma conjuntura internacional muito favorável à desvalorização do dólar. O Brasil é muito atrativo porque a economia está crescendo, mas principalmente porque tem um diferencial de juros muito grande”, afirma Oreiro.

Juros de curto e longo prazo não podem estar atrelados

É possível reduzir drasticamente a Selic, mas para isso é preciso desvincular esta taxa da dívida pública. Desde o período de alta inflação, o Brasil emite um título que é indexado de acordo com a Selic, as letras financeiras do tesouro. Este título responde por cerca de 35% da dívida pública. Para rolá-la em longo prazo é preciso que o juro seja alto. “A função da política monetária é contaminada pela gestão da dívida pública. Você faz com que a taxa de juros de curto prazo fique muito alta, em função da contaminação da taxa de longo prazo. É preciso desvencilhar a política monetária da dívida pública”, explica José Luis Oreiro.

Nos Estados Unidos, onde há esta diferenciação, a taxa de curto prazo, que rege a política monetária, gira em torno de 0,25%, enquanto títulos da dívida pública de longo prazo chegam a 4%. O Brasil, com a taxa de curto prazo em 12,5%, se torna um paraíso para os especuladores.

Ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou nesta semana aumento da taxa sobre as especulações financeiras. “O Brasil é muito atrativo porque a economia está crescendo, mas principalmente porque tem um diferencial de juros muito grande”, alerta Oreiro | Foto: Renato Araújo / ABr

Além disto, Oreiro observa que as letras financeiras do tesouro diminuem a eficácia da política monetária. Como é um título pós-fixado, mantém sua rentabilidade mesmo se há elevação da Selic. Se fosse um título pré-fixado, seus detentores perderiam dinheiro toda vez que houvesse aumento da Selic, porque seria mais atrativo adquirir títulos emitidos com a nova taxa de juros – os títulos que já estão na mão de investidores, rendendo pela taxa anterior, menor,  ficam menos rentáveis. Esta sensação de perda de dinheiro dos investidores é essencial para que um aumento da Selic cumpra seu objetivo de conter a inflação. No Brasil, as letras financeiras do tesouro são uma brecha porque são ainda mais rentáveis quando há viés de alta da taxa de juros.   “Quando você eleva a taxa de juros e o preço dos títulos públicos não cai, você interrompe um dos canais da política monetária”, diz Oreiro.

Por estes dois motivos, o professor da UnB afirma que solucionando o problema das letras financeiras do tesouro seria possível realizar uma redução das taxas de juros sem precisar de um ajuste fiscal para conter a inflação.  “Quanto mais puder haver contenção fiscal, melhor. Mas uma taxa de juros desta magnitude não se deve a problema fiscal. Se deve a esta herança do período de inflação alta, que ainda carregamos e que ninguém fez nada para desmontar”.

“Com o câmbio mantido nos níveis atuais, o paciente morre antes que o remédio dê resultado” | Foto: Marcello Casal/ABr

Política industrial precisa ser acompanhada de mudanças no câmbio

José Luis Oreiro aponta que, desde 2005, o Brasil voltou a ter um processo de desindustrialização relativa devido ao câmbio, que também conheceu entre 1988 e 1998. Isto significa que a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) vem diminuindo. O economista afirma que a política industrial que a presidenta Dilma Rousseff pretende implementar para que o Brasil tenha indústria de ponta, voltada para a inovação e a tecnologia, não mudará esta situação. “Com o câmbio mantido nos níveis atuais, o paciente morre antes que o remédio dê resultado”, diz.

Para o economista, a busca por uma matriz industrial mais especializada, como pretende Dilma, traria efeitos positivos apenas em longo prazo. E o país precisa reverter a situação cambial bem antes que isto aconteça.  “Não existe milagre. Não existe ganho de produtividade em médio prazo que compense uma sobrevalorização do real estimada em 30%, 40%”, afirma.


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