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15 de junho de 2011
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11:30

Especial Fase (final): A ressocialização dos jovens é um desafio de todos

Por
Sul 21
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Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte

Ao final da nossa série especial sobre a Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase-RS), voltamos ao ponto de partida que desencadeou a série de reportagens. Como o Estado está prestando os serviços para a recuperação dos jovens internos e quais as reais perspectivas de um adolescente em conflito com a lei? A resposta veio ao longo das matérias mas, na última, reservamos o espaço para o principal ator deste processo: o poder público.

Leia todas as matérias do especial sobre a Fase:
– A realidade que leva os jovens à internação
– Quem são e como vivem os jovens internos no RS?
– MV Bill e L.F., o bom exemplo acende a esperança
– A realidade feminina da Fase não é cor de rosa

A administração do sistema de execução de medidas sócio-educativas de internação e semiliberdade é de responsabilidade dos governos estaduais. No caso do Rio Grande do Sul, o trabalho é feito pela Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, por meio da Fase. O titular da Secretaria, Fabiano Pereira (PT), recorda a realidade encontrada pela atual gestão, ao assumir a pasta em janeiro. “Havia uma auto-estima muito baixa entre os servidores. Em 15 dias de governo tivemos um apontamento do Conselho Nacional de Justiça. Vários juízes visitaram e estabeleceram críticas duríssimas à nossa Fundação. A maioria delas aponta que não temos condições de ressocialização”, diz o secretário.

Ramiro Furquim/Sul21

Em seis meses de governo, o secretário ainda encontra dificuldades em iniciar a “Nova Fase”, como foi batizada a retomada de investimentos e políticas públicas para ressocialização dos jovens internos no Rio Grande do Sul. Em abril, o governador Tarso Genro anunciou alguns projetos de medidas emergenciais, com show do rapper carioca MV Bill. Mas a Assembleia Legislativa ainda não aprovou os projetos que possibilitariam, entre outras ações, contratar 85 profissionais.

A presidente Joelza Mesquita Andrade Pires lamenta o desempenho dos deputados estaduais na preocupação com os adolescentes em conflito com a lei. “Antes não tinha vontade política do executivo. Agora tem, mas, chega lá na AL, tranca”, critica. Segundo Joelza, a solução imediata que o Estado encontrou para não deixar de oferecer oportunidades aos jovens envolvidos com o crime, mesmo com defasagem de pessoal e infraestrutura, são parcerias com ONGs, escolas profissionalizantes, universidades e empresas privadas. “Estamos viabilizando uma oficina de fotografia. Com três módulos. Serão 150 horas. A intenção é cada módulo ocorrer em um estágio da medida sócio-educativa cumprida pelo jovem. De modo que ele comece ainda no regime de internação”, exemplifica.

A nova Fase está em construção

Todas as ações que estão ocorrendo até agora derivam de muita articulação política e esforço dos gestores. Nestes primeiros meses de governo, uma parceria com o Banco de Olhos já possibilitou atendimento oftalmológico aos jovens e distribuição gratuita de óculos. Uma oficina profissionalizante de garçom formou 16 jovens. Destes, oito estão empregados e cinco com carteira assinada.

Ramiro Furquim/Sul21

A garantia aos direitos individuais e coletivos dos adolescentes é o pressuposto básico da intervenção técnica e administrativa do Estado e deve contemplar os aspectos pedagógicos e terapêuticos no atendimento aos jovens. O norte é o Programa de Execução de Medidas Sócio-educativas de Internação e Semiliberdade (PEMSEIS), que passa por uma reformulação para poder alcançar o que seria o ideal.

Para Fabiano Pereira, o principal programa que está sendo implementado pelo governo para conseguir oferecer um atendimento adequado e chances reais de ressocialização aos jovens da Fase é o Programa de Oportunidades e Direitos. Um empréstimo junto ao BID está articulado e em breve o Estado receberá R$ 1 milhão, dos R$ 150 milhões previstos no financiamento para execução do programa. “Ele tem dois objetivos. Atuar na violência contra crianças, para prevenir que vítimas se tornem agressores. E reestruturar as unidades e o atendimento ao jovem em conflito com a lei”, diz o secretário.

Na complementação do trabalho com os jovens, Joelza Pires cita a profunda mudança de metodologia e abordagem dos sócio-educadores, monitores e educadores que trabalham junto aos adolescentes. “Até agora só eram vistos aqueles que agrediam monitores, faziam barulho ou tinham outras atitudes para chamar a atenção. Os demais não”, revela a presidente da instituição. E complementa: “O judiciário não pode deixar mais de 45 dias nenhum jovem sem uma definição. De dois a seis meses depois ele é visto em nova audiência, para avaliar se ele tem progressão de medida ou regressão. Os que são quietinhos, não são vistos e muitas vezes vão progredindo e saem antes do que os outros”, falou.

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Outro aspecto é o trabalho sobre o delito cometido pelo jovem, que não pode ser esquecido no momento em que o jovem entra na Fase. “Não podemos ser preconceituosos na nossa prática, mas, não podemos esquecer de abordar com ele o que ele fez, porque ele está ali”, destaca. As patologias e problemas psíquicos, como transtorno bipolar, depressão, entre outras que podem explicar determinadas condutas dos adolescentes, também estão na lista de prioridades da presidente. “Como médica sei da importância de ter um acompanhamento de saúde mental para os adolescentes e também os sócio-educadores que lidam com eles”, disse.

Já na reestruturação física da Fase está prevista a construção de quatro novas unidades, sendo que uma será no litoral e outra em São José do Rio Pardo, para desafogar a unidade Padre Cacique que abriga muitos jovens de fora de Porto Alegre. Na capital, o sonhado Centro de Atendimento Sócio-Educativo Poa III deverá sair do papel em breve.

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Segundo a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, o governo federal está apoiando os governos estaduais na qualificação do serviço prestado aos adolescentes em conflito com a lei no Brasil. “No RS já viabilizamos a construção da unidade de Novo Hamburgo. No mandato da presidenta Dilma Rousseff queremos que todas as unidades tenham escolas de educação profissional. Para que todos os jovens que entram nestas unidades tenham condições reais de ter uma nova oportunidade da vida”, disse sobre uma parceria para isso já em andamento junto ao Ministério da Educação.

E depois da Fase?

Ramiro Furquim/Sul21

A grande questão ao final desta série de reportagens que ficou para a equipe e deverá estar inquietando os leitores que acompanharam até aqui é: “depois que o jovem sai da Fase ele se recupera?”. A resposta estaria nos índices de reincidência, mas que não são apurados pela instituição. Com defasagem de dados, o governo trabalha na experiência de profissionais e gestores públicos.

Um programa já desenvolvido pelo governo gaúcho para o amparo do adolescente egresso da Fase quando ele retorna a sociedade é o Programa RS Sócio Educativo, que oferece acompanhamento antes do jovem deixar a unidade. Assistentes sociais realizam a mediação entre a rede de assistência social próxima ao jovem ou mesmo os familiares para a preparação para a volta do adolescente.

O problema é que, muitas vezes, o crime organizado reconhece a volta deste jovem e o seduz novamente. Ou mesmo as drogas voltam a serem consumidas. Ou ainda, faltam oportunidades e os jovens se vêem obrigados a voltar ao tráfico.

Por isso, o governo está implementando um acompanhamento específico, pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, para a questão da drogadição. As ofertas profissionalizantes adequadas aos interesses dos jovens e a realidade externa à Fase, também estão sendo pensadas. “Todas as unidades do Estado estão oferecendo curso de pintura predial. Depois faremos o de pintura de carros”, disse o secretário Fabiano Pereira.

Outra medida que está sendo implantada diz respeito a mecanismos para controle do jovem durante  o primeiro ano após a saída da Fundação. Ao final do cumprimento da medida, o adolescente será acompanhado, já que hoje ele nunca mais é visto pelo Estado.

Ramiro Furquim/Sul21

Mas os gestores públicos alertam para o olhar da sociedade e de empresários para não discriminar os adolescentes e também acolher os jovens egressos do sistema sócio-educativo.

“As pessoas acham que aqui é uma escola de bandido mesmo. Os meninos que estão aqui não nasceram bandidos, eles estão condicionados a uma realidade de conflito com a lei porque em algum momento alguém deixou de protegê-lo. Ou o estado ou a família“, diz Joelza Pires.

“Ou a sociedade faz um esforço concentrado para encarar a realidade da privação de liberdade e carcerária ou não tem como reduzir a violência. Antes nem se falava neste tema, hoje tem muitos empresários que empregam e fazem parcerias com o estado. Municípios acolhem presídios”, avalia Fabiano Pereira sobre um avanço já alcançado no Brasil.


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