Últimas Notícias > Geral > Noticias
|
13 de junho de 2011
|
14:17

Especial Fase (IV): A realidade feminina da Fase não é cor de rosa

Por
Sul 21
[email protected]

Rachel Duarte

Detalhe da porta de um dos alojamentos do Casef - Ramiro Furquim/Sul21

Elas já usaram drogas, de muitos tipos. Roubaram, se prostituíram. Estão privadas da liberdade por amores, desamores, desesperos, angústias e faltas familiares. As 30 meninas que cumprem medida sócio-educativa na Fundação de Atendimento Sócio-Educativo do Rio Grande do Sul (Fase-RS) são o retrato da sociedade machista que se vive no Brasil. Exploradas sexualmente, incentivadas ao crime pelos companheiros, usadas como laranjas pelo tráfico de drogas e, dentro da “cadeia”, suas oportunidades de uma nova vida são: aprender a costurar, bordar, fazer artesanato, lavar as roupas ou outras tarefas “femininas”.

As habilidades manuais ou domésticas não são o único aprendizado na casa. Os cuidados essenciais com a higiene e estética também são incentivados. Um instituto de beleza funciona dentro da unidade e as adolescentes podem participar da oficina de cabeleireira, como aprendizes ou cobaias. E elas adoram. Alguns cursos como o de informática também são oferecidos na unidade, mas são poucos. A casa é limpa e organizada pelas jovens. O manual com as normas da unidade foi desenvolvido pelas próprias adolescentes do Centro de Atendimento Sócio Educativo Feminino (Casef).

Ramiro Furquim/Sul21

Desde a recepção até o porão onde funciona a lavanderia, percebe-se uma realidade completamente distinta das demais. Um lugar bem limpo, cuidado, com investimentos em infraestrutura, mobília de qualidade e uma decoração agradável aos olhos. As peças de artesanato feitas pelas meninas embelezam cantinhos e prateleiras. A biblioteca tem o acervo adequado ao gosto delas: romances e livros de espiritualidade e comportamento.

O amor, a depressão e as drogas

A  realidade dentro do Casef, porém, está longe de ser cor de rosa. Os depoimentos impressionam. A maioria das adolescentes teve problemas para superar a separação dos pais, histórico de abuso ou violência, envolvimento com drogas por incentivo do namorado ou como subterfúgio da dor do abandono pela família ou namorado.

A.P., 16 anos, cumpre medida na Fase por tráfico de drogas. Ela diz que não comercializava, mas, como utilizava e foi pega com a droga, foi enquadrada assim. Aos 11 anos teve um namorado e a primeira experiência amorosa que não deu certo acabou não sendo encarada por ela como outras adolescentes encaram. Além do choro e da frustração de ter sido rejeitada, A.P. encontrou a droga como uma aliada para minimizar seu sofrimento.

A.P. entrou em depressão

“Quando eu fiz 12 anos eu comecei a me desviar. Eu entrei em depressão por causa desta pessoa e comecei a usar droga. Ele me deixou sem eu saber o porquê. Quando entrei aqui, eu só queria saber o dia em que eu iria sair para voltar a me drogar, mas depois eu vi que eu não preciso disso para ser feliz. Minha vida pode ser bem melhor do que isso”, fala depois de um ano e um mês privada de liberdade.

A miserabilidade, a exploração e um homicídio

C.V. era explorada, querendo ajudar a mãe - Ramiro Furquim/Sul21

A falta de uma família estruturada ou que ensinasse os limites na adolescência de A.P. não foi uma exclusividade dela. No caso de C.V., que cumpre medida sem possibilidade de atividade externa, “regime fechado”, a mãe tinha dez filhos para sustentar como doméstica em Uruguaiana. As dificuldades financeiras e a quantidade de filhos, de diferentes casamentos, trouxe problemas para a relação entre mãe e filha.

Aos 11 anos, C.V. saiu de casa e foi morar com um namorado. Ele usava drogas e ela passou a utilizar também. Terminou esta relação para viver com o primo deste namorado. Nesta época, encontrou um policial militar, recém aposentado, com quem iniciou uma longa relação de troca de favores sexuais. Assim, sustentou a família durante quase quatro anos. A mãe forçava a filha a casar com o policial, para poder viver melhor e continuar sustentando a família. Se sentindo prostituída, com a ajuda de outro jovem, C.V. tirou a vida do militar.

Falta de objetivos, uma gravidez e o tráfico

T.Q. é uma menina da periferia de Porto Alegre que estudou até a 3ª série. Em três anos, ela entrou para o tráfico, teve um filho e passou a usar drogas. Iniciou comercializando a droga com o namorado traficante. Com ele teve um filho. E depois, passou a experimentar o que vendia.

Desde que entrou para a Fase, T.Q. passou a modificar condutas e pensamentos. Segundo ela, a unidade tem um atendimento diferenciado com as adolescentes. A motivação e o cuidado estão presentes na relação com as sócio-educadoras. Ao terminar a medida, ela planeja trabalhar e estudar para sustentar o filho dignamente.

O atendimento realmente é diferenciado no Centro de Atendimento Sócio Educativo (Casef). Segundo a diretora, Nely Teixeira Marques, há 40 anos na administração da casa, desde 1984 não há mais motins na unidade. “As meninas andam soltas em todo o espaço da instituição e avisam quando vão mudar de ambiente. Aqui elas comem de garfo e faca. Não tem colher de plástico”, disse.

Ramiro Furquim/Sul21

Mas as regras foram mudando aos poucos e conforme amadurecia também a administração da casa. Praticamente a mãe de todas as 30 internas, Nely chegou a se aposentar e alguns anos depois foi chamada de volta à função. “Nós temos amor pelo que fazemos. Os casos nos sensibilizam, acabamos criando vínculos com as meninas. Eu sou a última instância para resolver algum problema delas. Mas temos uma relação tão íntima, que sei de coisas que nem os monitores sabem”, diz.

A experiência do Casef mostra que o amor parece ser ao mesmo tempo um elemento que modificou a vida das meninas para o caminho do crime, o antídoto e a cura dele.

Veja as demais reportagens da série aqui:

Especial Fase (I): A realidade que leva os jovens à internação
Especial Fase (II): Quem são e como vivem os jovens internos no RS?
Especial Fase (III): MV Bill e L.F., o bom exemplo acende a esperança


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora