Debate sobre legalização das drogas chega com força ao Congresso

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Felipe Prestes

Depois de ganhar as ruas com marchas organizadas nas principais capitais do país, o debate sobre a legalização das drogas está chegando com força ao Congresso nacional. Primeiro, a discussão que costumava ser entre juízes vaidosos, policiais com seus cassetetes e a voz dos manifestantes, chegou às salas de cinema, com a produção do filme “Quebrando o Tabu”, de Fernando Grostein Andrade, que defende a descriminalização das drogas com depoimentos de ex-presidentes como Fernando Henrique Cardoso, Jimmy Carter e Bill Clinton. A repercussão do filme alcançou a grande imprensa, culminando com uma reportagem no Fantástico, no último domingo (29). E, dali, reverberou imediatamente no Congresso.

— Creio ser chegado o momento de o Parlamento discutir o assunto numa série de audiências públicas, com especialistas contrários e favoráveis à descriminalização, além de estudarmos os exemplos de outros países para, juntamente com toda a população brasileira, decidirmos o caminho que o Brasil deve adotar com relação à descriminalização – disse o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), na tribuna do Senado nesta segunda-feira (30).

Ontem (1), a Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovou requerimento da senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS) para convidar o ex-presidente Fernando Henrique a debater o assunto na comissão. A senadora frisou que o requerimento fora feito antes da repercussão do filme, ainda no dia 10 de maio. Por sugestão do senador Cícero Lucena (PSDB-PB), também será convidado a falar na CAS o deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que até então vinha sendo uma voz quase solitária na defesa de uma nova legislação para as drogas.

Portugal pode ser modelo

Senador Eduardo Suplicy

O senador Eduardo Suplicy afirma que ainda precisa estudar mais o tema, mas se mostra simpático a mudanças. “A legislação de Portugal, que está embasando os argumentos do deputado Paulo Teixeira, como também os de FHC, me parece de bom senso. Vamos ter que debater melhor o assunto. Ficou estabelecido pelo presidente (da comissão) Jayme Campos (DEM-MT) que vamos ouvir os que são favoráveis e os que são contra”.

O deputado Paulo Teixeira não tem uma proposta fechada para a legalização das drogas, mas diz que as mudanças devem ter dois objetivos principais. O primeiro deles é fazer com que o usuário de drogas não seja tratado na esfera policial. “Se a gente tratar como tema de saúde pública e de educação vai diminuir o problema da nossa juventude com relação às drogas ilícitas”, afirma. O outro eixo é retirar o poder econômico do tráfico. “O Brasil precisa desenvolver estratégias para esvaziar o poder econômico do crime organizado. Esvaziando o poder do tráfico, ele não terá como comprar armas, contratar jovens”, diz.

O parlamentar afirma que há vários países que fizeram alterações na legislação e que devem ser analisados para que o Brasil formule sua própria legislação. Portugal é um deles. “Portugal, ao tirar da esfera criminal, conseguiu resultados muito bons. Diminuiu a violência associada ao uso de drogas, e, inclusive, o uso”.

O site do Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR) traduz texto do portal Time Healthland que mostra que o país ibérico, que descriminalizou a posse de todas as drogas em 2001, conseguiu diminuir o consumo de drogas entre adolescentes e o número de infecções de HIV. Até o número de apreensões de drogas aumentou, uma vez que há um limite para a posse de substâncias. Entre os portugueses adultos, segundo o coletivo, o consumo de drogas aumentou, mas foi um aumento semelhante ao que ocorreu em países proibicionistas no mesmo período. O autor do estudo, um professor de Justiça Criminal do Reino Unido, afirma que a redução dos danos causados pelas drogas em Portugal se deve à realocação dos recursos, da repressão para o tratamento e dissuasão dos usuários.

Paulo Teixeira não se atém a um modelo, mas defende um foco semelhante ao de Portugal. “Temos que erigir um sistema de tratamento, de atenção, importante. Os problemas prosperam quando há ausência. Ausência do estado, ausência de perspectivas”, afirma. Otimista, o parlamentar acredita que o Congresso pode ter uma proposta consensual de uma nova legislação já no ano que vem. “Precisamos convidar os grandes especialistas no tema para formular uma proposta. Espero que consigamos amadurecer uma proposta, chamando a sociedade para discutir, em um período de um ano”.

“Vejo como um debate acadêmico”

O atual dep. federal Fernando Francischini

O deputado Fernando Francischini (PSDB-PR), conhecido como Delegado Francischini, deve ser um dos grandes opositores à legalização das drogas no Congresso. Ex-secretário Antidrogas de Curitiba, ele já conseguiu na Justiça barrar a marcha da maconha por três anos consecutivos na capital paranaense. Apesar disto, diz não temer o debate no Legislativo. “A discussão agora tomou o caminho certo, que é dentro do Congresso Nacional. Com audiências públicas, não com uma marcha a céu aberto, com crianças assistindo, que ainda não têm a capacidade de discernir se querem usar ou não. Eu acho (o debate) muito útil, importante, para eu mostrar meus argumentos. Mostra o contraponto da marcha. A marcha é uma coisa, o debate é outra”, afirma.

Francischini falou ao Sul21 ontem à noite, quando já se preparava para debater o tema com o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) na Rádio Câmara hoje pela manhã. O tucano diz que argumentos como o do ex-presidente FHC são argumentos “acadêmicos”. “Vejo como mais um debate acadêmico. Eu vivi as ruas das drogas. Famílias desestruturadas, filhos presos, gente morta por causa das drogas. Sou totalmente contra a liberação de qualquer droga”.

O tucano diz que concorda em quase tudo com o ex-presidente, que é seu colega de partido, menos com a legalização do uso de drogas. Afirma também que a Justiça brasileira já trata o usuário de forma diferenciada. “A posição do Fernando Henrique é uma posição acadêmica. Quero ter a oportunidade de colocar meus argumentos para ele. Eu concordo com a maioria dos argumentos dele, que não pode penalizar, não pode prender um usuário, que é um problema de saúde pública. A única coisa que eu não concordo com ele é descriminalizar todas as drogas”.

O parlamentar não concorda com os que argumentam que o uso de drogas se expande, mesmo com a proibição. Para Fernando Francischini é possível, sim, combater o tráfico, especialmente nas fronteiras. “O governo federal cortou 40% do orçamento da Polícia Federal. Como é que a gente quer combater o tráfico internacional, cortando 40% das verbas da PF?”, questiona. “A culpa é dos próprios governantes que não investiram no combate ao tráfico”, diz.

Apesar disto, Francischini afirma que o foco não deve ser a repressão, mas a prevenção. “Eu defendo mais verbas para o combate ao tráfico, mas que o foco de tudo seja o trabalho de prevenção. O governo não bota um centavo em prevenção”. O deputado se mostra coerente ao defender também maior rigidez com a venda de bebida alcoólica para menores. E levanta uma questão que mostra a complexidade do debate sobre drogas. Como a matéria-prima de drogas como a cocaína não são produzidas no país, a legalização poderia afetar as relações diplomáticas do Brasil. “Tem plantação de folha de coca no Brasil? Se a gente liberar, vai estar incentivando o crime em outro país. É muita coisa que a gente tem que discutir neste tema das drogas”.


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