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7 de junho de 2011
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18:35

Coojornal, um alternativo suprapartidário

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Sul 21
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Rafael Guimaraens, Elmar Bones da Costa, Rosvita Saueressig Laux e Osmar Trindade: presos no Madre Pelletier - Foto Daniel de Andrade
Rafael Guimaraens, Elmar Bones da Costa, Rosvita Saueressig Laux e Osmar Trindade: presos no Madre Pelletier - Foto Daniel de Andrade

Nubia Silveira *

Na primeira metade dos anos 70, quando o Brasil vivia sob a ditadura militar e os meios de comunicação, sob censura, surge em Porto Alegre um jornal alternativo, que tinha como principal objetivo fazer bom jornalismo, avançando além dos limites impostos pelo regime militar, sem partidarismo. A trajetória histórica do mensário Coojornal começa bem antes de seu primeiro número circular em novembro de 1975. Ele foi concebido por um grupo de jornalistas da Folha da Manhã, de Porto Alegre, em conversas de redação e de bar. Foi para as bancas mais de um ano depois da fundação, em 24 de agosto de 1974, da Cooperativa dos Jornalistas, uma experiência pioneira no país. Mas, nasceu praticamente junto com a Cooperativa, como um informativo para os associados.

José Antônio Vieira da Cunha, Elmar Bones da Costa, Rosvita Saueressig Laux e Jorge Polydoro, quatro dos responsáveis pelo lançamento do jornal, fazem questão de ressaltar a diferença entre o alternativo gaúcho e os demais que circularam pelo Brasil: o Coojornal era suprapartidário. Editado pela Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, que chegou a ter 450 “donos”, não poderia ser de outra maneira. “O Coojornal não tinha viés político como o Opinião, o Movimento e o Versus, por exemplo”, afirma Vieira, que dirigiu a Cooperativa por três mandatos. “Era independente”, conclui. Elmar ressalta que o suprapartidarismo foi importante para impedir que o Coojornal fosse uma publicação sectária e também para lhe dar credibilidade. “O Coojornal não era um jornal de oposição, mas um jornal que avançava além dos limites impostos à imprensa”. Polydoro reafirma que o objetivo do jornal não era “derrubar o regime, mas fazer um jornalismo sério”. Apesar da linha editorial adotada, o jornal não evitou o confronto com o regime militar, que pressionou pelo seu fim e levou à prisão cinco de seus jornalistas.

Rosvita afirma que o jornal nasceu da aspiração de liberdade dos jornalistas e do desejo de terem “controle sobre o produto final e produzir um bom jornalismo”. Ela lembra que a publicação rompeu com o jornalismo feito naquela época. “O Coojornal estava bem à frente de seu tempo. Fazia um jornalismo como o de hoje”, ressalta. E já se passaram quase 30 anos desde a sua extinção, em 1983. O último número, o 78, circulou em março de 1983. Outro ponto ressaltado por Rosvita é que a Cooperativa, editora do Coojornal, tinha o comportamento de uma empresa. “Era uma empresa; não um sindicato”.

Nas redações, jornalistas insatisfeitos

Primeiro editor do Coojornal e hoje editor do Jornal Já, Elmar lembra que nos anos 70 os jornais estavam acomodados. “As empresas jornalísticas tinham feito um acordo velado com o regime para tirar os censores de dentro das redações e passaram a praticar a autocensura. Não avançavam o sinal”, diz ele. Os jornalistas estavam insatisfeitos com esta situação. Além disso, o momento era de poucas vagas e desemprego na imprensa. O alternativo gaúcho surgiu como uma luz no fim do túnel.

O boletim, do qual se originou o jornal, foi a primeira publicação a tratar exclusivamente sobre comunicação e a pioneira na análise do que saía nos jornais. Primeiro ombudsman da imprensa nacional, Luiz Claudio Cunha, que era diretor da sucursal da Editora Abril em Porto Alegre, assinava a coluna “Perdão, Leitores”. Geraldo Hasse, então editor da revista Veja, em São Paulo, lembra que Luiz Claudio “comentava furos, barrigas, lacunas e omissões da imprensa”. Geraldo acredita que a coluna tenha sido senão o primeiro, um dos primeiros observatórios “do tipo media criticism, depois sacramentado pelo Alberto Dines com seu Jornal dos Jornais e o Observatório da Imprensa, que teve origem na Unicamp”.

Ayrton Centeno: aproveitou viagem à Argentina pela Manchete para produzir cinco matérias para o Coojornal - Foto: Reprodução vídeo Coojornal

Sucesso nas redações do Rio Grande do Sul e de São Paulo, onde trabalhavam muitos gaúchos, o boletim se transformou em jornal. O tabloide de oito páginas passou para 28 e, no final, já atingia mais de 60 páginas. Foi para as bancas do Rio Grande do Sul e estados do Centro do País. A distribuição foi feita pela Gazeta Mercantil e, depois, pela Chinaglia. Os gaúchos espalhados por São Paulo e Rio de Janeiro ajudavam a fazer e a divulgar o jornal. “Gilberto Pauletti falava com os colegas do Rio de Janeiro e várias notas eram publicadas sobre o Coojornal”, conta Elmar. “O Élio Gaspari, por exemplo, editava a coluna JB e sempre dava notícias sobre o jornal”. Para Elmar, o alternativo foi sucesso primeiro em São Paulo e no Rio de Janeiro, para depois vender bem nas bancas do RS. No auge, a circulação chegou a 33 mil exemplares. Para se ter uma ideia da importância desse número, no primeiro trimestre de 2009, segundo o IVC – Instituto Verificador de Circulação, o diário carioca A Tribuna tinha uma circulação média de 62.714 exemplares.

Em São Paulo, Geraldo Hasse e Jorge Escosteguy, entre outros, se encarregavam de divulgar o jornal, ir atrás de assinaturas e enviar matérias para o Coojornal. Hasse e Ayrton Centeno, autor do roteiro do vídeo sobre o Coojornal, que será lançado na quinta-feira (9), na Assembleia Legislativa do RS, contam que aproveitavam para o Coojornal o material que sobrava das reportagens feitas para as empresas nas quais trabalhavam. “O que sobrava era o melhor”, afirma Hasse. Ayrton, então repórter da sucursal da revista Manchete, lembra que foi enviado à Argentina para escrever sobre a expansão da umbanda num país sem influência africana. Ele e o fotógrafo Paulo Franken aproveitaram e produziram cinco matérias para o Coojornal, durante a semana que estiveram em Buenos Aires. “O Coojornal foi pioneiro no olhar para a América do Sul”, afirma Ayrton.

Outra estratégia utilizada pelos repórteres de fora do estado era a de enviar suas matérias pelo malote da Editora Abril. “Os envelopes com matérias e pautas eram encaminhados de SP para: Luiz Claudio Cunha — Abril POA, e não dava erro. Logística 100% segura”, afirma Hasse. “A mesma coisa acontecia nas sucursais da Abril em Brasília e no Rio, onde havia gente desempenhando papel semelhante ao meu e do Scotch (Jorge Escosteguy). No Rio, era o Gilberto Pauletti e, em certo momento, o Marcelo Pontes”.

Reportagens históricas

Entre os anos 1970 e 1980, chegaram a circular no Brasil, informa Ayrton Centeno, 170 jornais nanicos ou alternativos. Eram publicações especiais que mantinham com os leitores uma relação marcada pela “cumplicidade, fidelidade e afetividade” maiores do que as que tinham com a imprensa convencional. O Coojornal, para cumprir a meta de ir além do que o regime permitia à imprensa e oferecer um jornalismo de qualidade, passou a tratar dos assuntos sob a perspectiva histórica. Chegaram a criar um núcleo que estudava a História e apresentava sugestões de como falar de assuntos como censura, cassações, tortura e a própria ditadura. Era uma forma de driblar a censura, afirma Centeno. Estes assuntos – diz Elmar – “não eram proibidos em nenhum código. Mas, estavam fora de pauta”. Uma das matérias trabalhadas com olhar histórico foi a da anistia. Ninguém sabia que o Brasil já havia tido 40 episódios de anistia, como em 1932 e 1945, lembra Elmar.

Danilo Ucha, autor de Em Busca da Sociedade Transparente, livro sobre a Cooperativa, afirma que o Coojornal teve outro grande mérito. A publicação “abriu o campo para outros enfoques do jornalismo, como ambiente, saúde. O Juarez Fonseca era um que insistia na publicação de outros temas. Claro que não eram as grandes matérias, mas estavam ali em pequenas notícias”. Juarez Fonseca foi autor de uma grande entrevista com a cantora Elis Regina, em que ela revelava que chegara a pensar em largar tudo.

Como não podia escrever nada sobre o regime brasileiro, o Coojornal publicou uma ótima matéria sobre a ditadura no Uruguai. Seguidamente entrevistava os uruguaios que fugiam para o Brasil. E Zélia Leal, hoje Zélia Leal Adghirni, professora da Faculdade de Comunicação da UnB, fez uma grande entrevista com os Tupamaros que estavam exilados na França. Um motivo para os militares passarem a dizer que o Coojornal recebia dinheiro dos guerrilheiros uruguaios.

Jornalistas, como Hasse, que não podiam assinar matérias no Coojornal por ter vínculo empregatício com outras empresas, recorriam sempre a um mesmo pseudônimo: Walter Moraes.

Começa a pressão do governo

Hamilton Almeida Filho e Milton Severiano, que tinham trabalhado na revista Realidade, fizeram uma matéria para o Ex, outro jornal alternativo, sobre a cassação, em 30 de junho de 1977, do líder do MDB na Câmara Federal, deputado José Alencar Furtado. O Ex, porém, foi fechado pelo regime. Eles, então, ofereceram a matéria para o Coojornal, que aceitou.

Combinaram que Hamilton iria ao aeroporto em São Paulo, escolheria um passageiro do voo para Porto Alegre e lhe pediria que trouxesse o envelope e o entregasse a uma pessoa que estaria à sua espera no aeroporto Salgado Filho. Tudo acertado, Rosvita foi incumbida de ir em busca do envelope. Esperou pela saída dos passageiros e reconheceu – pela descrição feita por Hamilton – o homem que deveria lhe entregar o material. Aproximou-se e perguntou se ele era a pessoa que esperava. Ele primeiro negou. Depois reconheceu que sim.

— O senhor tinha um envelope para me entregar, disse Rosvita.
— Houve um problema – respondeu o homem. Derramei café sobre o envelope, inutilizei o material e joguei tudo fora.

Desconfiada da versão, a repórter pressionou o “carteiro”. Ele então confessou:

— Fiquei curioso, abri o envelope e li tudo. Aquilo era uma bomba. Sou funcionário do Banco Central e tem um pessoal da Polícia Federal me esperando para seguirmos viagem ao interior para uma investigação. Não podia descer com aquele envelope.

A solução foi ligar para Hamilton e pagar-lhe a passagem para que viesse pessoalmente trazer a reportagem. O texto foi editado pela equipe do Coojornal. A edição seguinte saiu com a foto de Alencar e o título: 4.686 é o número total de cassados em 13 de anos de revolução. Uma capa de impacto, concebida e diagramada, como todas as demais, por Jorge Polydoro.

Elmar diz que a publicação desta matéria, mostrando que quase 5 mil cidadãos já tinham sido cassados, a ligação com o grupo paulista do Ex e o lançamento com sucesso empresarial do anuário Ano Econômico, que fazia um balanço econômico do ano e projetava o seguinte, levou o regime militar a intensificar a repressão contra o Coojornal. Com um exemplar do jornal embaixo do braço, agentes da Polícia Federal passaram a visitar cada um dos anunciantes. Naquele momento, o jornal já circulava com 60/64 páginas e contava com 30 anunciantes, como lembra Vieira. Polydoro cita alguns dos principais: Springer, Unimed, Banco Maisonnave, Lojas Imcosul, Habitasul, Gerdau, Samrig, Cotrijuí, Fecotrigo e a Agência Escala, que foi o primeiro anunciante do Coojornal.

Logo após receber a visita da PF, o presidente da Unimed, uma cooperativa de médicos, ligou para os dirigentes do Coojornal, informando o que tinha havido. Segundo o doutor Arnaldo Malmann, os policiais chegaram dizendo que a Unimed deveria parar de anunciar num jornal de comunistas, como, segundo eles, era a publicação da Cooperativa dos Jornalistas.

— Sou presidente de uma Cooperativa de Medicina, disse Malmann aos agentes. Não posso tomar qualquer decisão sozinho. Os senhores, por favor, me encaminhem esta informação por escrito e eu a submeterei aos associados, em assembleia.
— Isso nós não podemos fazer, responderam os policiais.
— Então, eu também não posso deixar de anunciar.
— Se o senhor fizer isso, poderá ser chamado a depor.

Malmann continuou anunciando no Coojornal e realmente foi chamado para dar um depoimento, que durou três horas, de acordo com o relato de José Antônio Vieira da Cunha, hoje diretor do site Coletiva.net. “O depoimento não levou a nada”, conclui Vieira. Ele revela que ao decidirem pela publicação das matérias, como a dos cassados, os coojornalistas sabiam que “poderiam ter dificuldades em nível governamental. Havia a censura. Mas, fizemos jornalismo responsável. Não afrontamos o regime, não atentamos contra nenhuma lei”.

A maioria dos anunciantes realmente se retirou. A receita começa a cair. Polydoro calcula que caiu entre 70% e 80%. Mas, como a Cooperativa mantinha um caixa único, sem que o jornal tivesse um orçamento próprio, o Coojornal seguiu o seu caminho. Polydoro, que passara o setor comercial do jornal para um profissional da área, Gabriel Matias, faz o mesmo percurso dos agentes da Polícia Federal. Vai de anunciante em anunciante tentando desfazer o medo que sentiam. “Fui até a Gerdau, por exemplo. Foi quando conheci o Jorge Gerdau. Ele me disse que no jornal não poderia mais colocar anúncios, mas que se tivéssemos outro projeto, ele apoiaria. E foi o que fez”.

Negócios desfeitos

Jorge Polydoro diz que o momento era sensível. Os negócios podiam ser desfeitos por qualquer motivo. Ele relembra que a Cooperativa foi contratada por uma empresa de poupança para desenvolver um projeto de comunicação, que renderia um bom dinheiro para a Cooperativa. Ninguém sabe como saiu uma nota num jornal de Porto Alegre falando sobre o negócio.

“A nota inviabilizou um projeto importante para nós”, afirma Polydoro. No mesmo dia da publicação da nota, o presidente da empresa – Arnaldo Gueller – foi até a Cooperativa para informar que não havia mais contrato. Depois de muita discussão, a empresa pagou uma multa e o equivalente a três edições do jornal que teria colaboradores como Ziraldo e Joelmir Betting. “A primeira edição já estava pronta para rodar”, justifica o atual diretor-geral do Grupo Amanhã.

Reportagem acaba em prisão

Vieira e Elmar lembram que um dia o cabo do Exército Carlos Mar Echeverria de Quadros se apresentou no Coojornal como um militar revoltado. O cabo, que servia na 2ª Seção do Exército em Bagé, trazia com ele documentos sigilosos. Eram relatórios do Exército que analisavam a atuação dos militares contra as guerrilhas. Prioritariamente contra a Guerrilha do Araguaia. Isso era início dos anos 80 e o episódio ocorrera 10 anos antes.

O cabo foi recebido por Rafael Guimaraens e Rosvita Saueressig Laux. Ele quis cobrar pelos documentos. Mas foi informado que o Coojornal não pagava por informação. O máximo que poderiam fazer – e foi feito – era dar-lhe dinheiro para a passagem até Dom Pedrito, onde estava a família dele. Desconfiados de que a entrega dos relatórios pudesse ser uma armadilha – Elmar segue convencido de que foi uma armadilha –, os editores decidiram tirar os papéis do Coojornal. Eles foram enviados para São Paulo. O texto era cheio de códigos militares e Geraldo Hasse, que já havia feito algumas matérias sobre o Exército, ficou encarregado de escrever o texto.

Rafael Guimaraens foi preso duas vezes pelo mesmo fato - Foto: Marcelo Amaral/ Libretos

Hasse lembra que ele também desconfiou do material, que foi levado por José Antônio Severo. “Eram dois ou três quilos de papéis”, que ele mostrou para Rui Falcão, ex-guerrilheiro, atual presidente nacional do PT, que, na época, trabalhava com Hasse na revista Exame. “Ele disse que era quente”. Durante um mês, todas as noites, depois de terminar o trabalho na Exame e voltar para casa, o jornalista se debruçava sobre o material. O resultado foram cerca de 30 laudas, escritas a máquina, totalmente editadas, com títulos “e tudo mais”. Em Porto Alegre, o material – lembra o repórter – foi editado por Manuel Canabarro, o Maneco, que hoje se dedica ao marketing político. A reportagem, publicada em fevereiro de 1981, saiu assinada por Osmar Trindade e Elmar Bones.

Na hora da edição, houve uma discussão sobre se deviam ou não publicar os facsimiles. Elmar foi voto vencido. Eles foram publicados, como defendia Trindade. As desconfianças de Elmar foram comprovadas: as reproduções revelavam a origem do material. Não demorou para que fosse instalada uma investigação na 2ª Seção do Exército, em Bagé, em que trabalhavam apenas três pessoas. O cabo confirmou que tinha entregue os relatórios e descreveu as pessoas com quem tinha falado. Rafael, Rosvita, Elmar e Trindade foram depor no QG do Exército em Porto Alegre. Rafael recorda que o interrogatório levou seis horas, com o militar repetindo e repetindo as mesmas perguntas.

Na acareação com o cabo, negaram que o conheciam. Tinham tomado esta decisão, porque não sabiam se ele havia confessado sob tortura. Elmar lembra que o militar se irritou com a negativa e chegou a dizer que havia recebido dinheiro pelo material. A versão do militar não era verdadeira e foi desmentida.

Marco Túlio de Rose, advogado da Cooperativa e dos jornalistas, afirma que a acusação era de violação do sigilo militar, sendo a pena, pelo Código Penal Militar, de dois anos de detenção. Os quatro acabaram condenados pela Justiça Militar por publicação de material sigiloso. Após a condenação pelo Júri Militar, foi decretada a prisão de Rafael e Trindade, “numa atitude arbitrária, pois todo o réu tem o direito de recorrer em liberdade”, afirma o advogado. “A alegação era que estavam sendo processados por outras reportagens (na verdade, na época havia muitos processos-crime, mais de 20, contra a Coojornal e os coojornalistas, para intimidá-los), logo não tinham bons antecedentes. Alegação estapafúrdia, que foi derrubada por um habeas corpus por mim impetrado junto ao Tribunal Militar”, lembra Marco Túlio de Rose.

Rafael e Trindade foram levados, primeiro, para o Presídio Central. Protestaram. Como lá não havia cela especial, foram transferidos para o presídio feminino Madre Pelletier. Ali esperaram por um mês pelo habeas corpus. Rafael lembra que a demora se deveu a uma “jogada” do advogado que, por ser época de férias forenses, decidiu esperar a troca de escala, pois o juiz que estava de plantão na época provavelmente não concederia o habeas.

Última edição do Coojornal

Elmar já havia saído da Coojornal, sentia-se livre, quando foi surpreendido com uma ordem de prisão. Marco Túlio conta: “Apelamos também do mérito da sentença condenatória e o Superior Tribunal Militar a confirmou, determinando nova prisão dos jornalistas”. Desta vez, os quatro passaram duas semanas, segundo Elmar, no Madre Pelletier, recebendo visitas de políticos de todos os partidos, como Teotônio Villela, Pedro Simon e Sinval Guazzelli, ex-governador do RS, que iam até lá levar solidariedade aos jornalistas. Rosvita recorda que receberam muita simpatia e apoio do Centro do país.

O advogado impetrou novo recurso no Supremo Tribunal Federal e novo habeas corpus, “com base na presunção constitucional da inocência. Habeas corpus concedido, jornalistas na rua, o processo não chegou a ser julgado pelo Supremo, pois alegamos a prescrição antes que acontecesse”. Elmar ressalta que as informações de que o Exército não dava condições aos soldados de combater a guerrilha – eles estavam mal-preparados, mal-vestidos, usavam coturnos que logo rasgavam e as rações de comida estava vencidas – nunca foram desmentidas. Rafael diz que a prisão repercutiu muito na imprensa nacional, porque naquele momento já não havia clima para prender jornalistas.

“Penso um pouco diferente do Rafael”, diz Marco Túlio. “Realmente não havia clima para prisões de jornalistas, mas também havia uma reação muito grande no caso, pois os mesmos apenas haviam publicado documentos históricos, razão pela qual o processo foi escoando sem condenação. Os setores militares sentiam que isso ia acontecer e, ofendidos pela vulnerabilidade de suas defesas, provocaram as prisões”. A prisão de Trindade, Rafael, Elmar e Rosvita foi um divisor de águas no jornal, reconhecem todos. “A pressão foi muito forte e esta foi uma das grandes razões que levaram a Cooperativa ao fim”, afirma Rafael. Segundo Elmar, as prisões “detonaram com o jornal”.

Algum tempo depois, quando estava em Livramento, sua terra natal, Elmar encontrou-se com o cabo, que lhe disse: “Tu me desculpa aquilo lá. Um dia nós vamos conversar”. O jornalista espera por esse dia.

Busca de diálogo

Quando os agentes federais visitaram os anunciantes, logo após a publicação da matéria sobre os cassados, Vieira procurou o gaúcho Rubem Ludwig, que era ministro da Educação do governo Ernesto Geisel. “Ele me recebeu com a maior cordialidade em seu gabinete em Brasília, num anexo do Palácio do Planalto, onde estava instalado o Conselho de Segurança Nacional. Falamos durante cerca de uma hora, e no final ele encerrou a conversa dizendo que poderíamos ficar tranquilos porque o fato não se repetiria. E realmente não se repetiu”, afirma Vieira. O ex-presidente da Cooperativa lembra ainda de uma curiosidade: “a agenda (a reunião) foi obtida pelo Merval Pereira, o jornalista que foi eleito para ocupar a cadeira do Moacyr Scliar na Academia. Na época ele era repórter de O Globo e presidente do Clube de Repórteres Políticos que funcionava no Congresso”.

Meses antes, segundo Vieira, Polydoro estivera no Rio de Janeiro conversando com o marechal Cordeiro de Farias, cumprindo uma “estratégia que tínhamos no sentido de visitar líderes políticos e empresariais para lhes apresentar o projeto da Cooperativa e mostrar que era um trabalho de profissionais”. O militar estava na reserva. Fora interventor no Rio Grande do Sul, governador eleito de Pernambuco e ministro do governo Castelo Branco. Polydoro diz que Cordeiro de Farias, naquele momento, era o interlocutor da abertura lenta, gradual e segura. “Apresentei ao Cordeiro a posição de resistência democrática do Coojornal. Ele disse que entendia a nossa postura, mas que não controlava os grupos paramilitares. E começou a me doutrinar sobre a importância de o general Figueiredo ser presidente. Segundo Cordeiro, ele era o único que poderia desmontar toda a repressão e fazer a abertura”.

Com a publicação dos documentos sigilosos do Exército e a prisão dos jornalistas, Polydoro lembra que a investida do regime contra o jornal se tornou mais forte. Todos tinham um pouco de medo. “Um dia, a mãe de uma colega, viúva de um oficial da Aeronáutica, nos avisou que o pessoal do Para-Sar, da Aeronáutica, era que estava encarregado de perseguir o Coojornal”.

— O que ocorre é que vocês estão recebendo recursos dos Tupamaros e dos Montoneros, explicou a viúva.

A revelação de que os militares achavam que o jornal e os coojornalistas faziam parte de uma articulação internacional apavorou o pessoal.

O que sobrou foi incinerado

A repressão política, as brigas internas na Cooperativa e no Coojornal, o assembleísmo obsessivo e a falta de uma gestão adequada levaram ao fechamento da Cooperativa e do jornal, em 1983. Um juiz da Vara de Falências, onde, segundo Marco Túlio de Rose, “jamais poderia ter sido decretada a falência de uma cooperativa”, determinou que todo o material existente na casa da rua Comendador Coruja, onde funcionavam a Cooperativa e o jornal, fosse depositado em um galpão.

Vieira recorda que quando tentaram recuperar o material, ele já havia sido incinerado por ordem do juiz, para abrir espaço no local. A justificativa foi de que o prazo para retirada dos jornais, revistas, fotos e muitos outros documentos, que contavam a história de oito anos do Coojornal, já havia passado.

* Segunda de três matérias. Leia amanhã: Coojornal: a memória começa a ser resgatada

* Leia também: Coojornal, a cooperativa que incomodou a ditadura


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