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8 de junho de 2011
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18:37

Coojornal: a memória começa a ser resgatada

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Sul 21
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Coojornal: a memória começa a ser resgatada
Coojornal: a memória começa a ser resgatada
Elmar Bones e Ayrton Centeno gravam depoimentos para o documentário - Foto: Marcelo Amaral /Libretos

Nubia Silveira *

Segundo editor do Coojornal e um dos três presidentes da Cooperativa dos Jornalistas de Porto Alegre, o santanense Osmar Trindade foi escolhido, em 2007, para coordenar um projeto de recuperação da memória da Cooperativa e do Coojornal. Ele, como grande parte dos jornalistas nascidos em Santana do Livramento, iniciou sua vida profissional no jornal A Plateia. De lá ganhou o mundo. Trabalhou em Porto Alegre, São Paulo, Amapá, Brasília e atravessou o Atlântico para ajudar a desenvolver a comunicação em Moçambique. Trindade — um fronteiriço calmo, conciliador e determinado — foi descrito pelo amigo Geraldo Hasse como “um gaúcho quieto, pelo-duro de olhos azuis”. Era o nome certo para uma missão que exigiria paciência para catar e juntar todos os pedaços de uma experiência pioneira no Brasil.

Trindade pensou logo num grande projeto que contasse não só a história da Cooperativa e do Coojornal, “mas também a do Brasil da época, incluindo a imprensa alternativa”, conforme registrou pouco antes de falecer em 2009. A ideia era produzir um documentário, um livro de reportagem – “na mesma linha do documentário” –, publicações especiais, uma exposição “itinerante para centros culturais, universidades, etc e tal”, e um site, “onde estaria toda a produção da Coojornal, incluindo a digitalização do Coojornal e de outras publicações”. Um projeto nada modesto.

Duas das primeiras medidas tomadas por ele foram indicar o jornalista Ayrton Centeno para fazer o roteiro do documentário e listar 25 nomes, entre repórteres do Coojornal e de outros jornais alternativos, fotógrafos, chargistas, anunciantes e advogados, que deveriam ser entrevistados. Cada um deles detinha informações importantes sobre uma parte da vida da Cooperativa e do Coojornal. O trabalho seguinte seria o de montar o quebra-cabeça, encaixando cada uma das pecinhas.

Com a morte de Trindade, o projeto ficou órfão. Não levou muito tempo para ganhar novos pais: Rafael Guimaraens e Clô Barcellos, da Editora Libretos. O primeiro passo, diz Clô, foi falar com cada um dos envolvidos na ideia para saber se não tinham interesse em tocar o projeto e se liberavam a proposta para a Libretos. Tudo acertado, decidiram partir para algo mais modesto, por falta de recursos: editar um livro e um documentário que se completam. O vídeo, segundo Clô, não tem existência própria, independente.

Rafael Guimaraens e Clô Barcellos: coordenadores do Projeto Coojornal - Foto: Marcelo Amaral / Libretos

O projeto foi encaminhado ao Ministério da Cultura e aprovado pela Lei Rouanet: os patrocinadores podem descontar o investimento do Imposto de Renda devido. O livro e o vídeo ganharam patrocínio da Caixa Econômica Federal e da Petrobras. Com o apoio da Assembleia Legislativa, a Libretos organizou uma exposição das capas das 78 edições mensais do Coojornal e de quatro especiais. Tanto a exposição quanto o lançamento do livro e do vídeo serão feitos na Assembleia Legislativa. Nesta quinta-feira (9), às 19h, será exibido o documentário, no Teatro Dante Barone. Para o vídeo, de uma hora de duração, foram gravados depoimentos de jornalistas e colaboradores do Coojornal. Às 20h, no Vestíbulo Nobre da Assembleia, será lançado o livro Coojornal – um jornal de jornalistas sob o regime militar. Na sexta-feira (10), também às 19h, no Teatro Dante Barone, haverá a reapresentação do documentário, seguido de um debate, do qual participam os organizadores do livro – Ayrton Centeno, Elmar Bones da Costa e Rafael Guimaraens – e os ex-coojornalistas Jorge Polydoro e José Antonio Vieira da Cunha.

Tarefa solidária

O livro é uma compilação de 33 reportagens e entrevistas publicadas pelo Coojornal, mais fotos e charges. A primeira seleção foi feita pela equipe da própria Libretos. Depois, Elmar, Rafael e Centeno se encarregaram de definir quais integrariam o livro, que traz ainda a lista dos 450 sócios da Cooperativa, que compunham o expediente do Coojornal, o maior da imprensa brasileira.

Clô Barcellos conta que o primeiro passo do Projeto Coojornal foi construir um site para receber as histórias dos que trabalharam ou tiveram qualquer participação no jornal. “Colaboraram 160 pessoas”, diz Clô. A partir daí começou a ser montada uma rede para obter as 78 edições mensais e as quatro especiais, que circularam entre novembro de 1975 e março de 1983. Foram dois anos intensos de trabalho.

Foi preciso um mutirão para fazer o último número

O último número circulou quando a Coojornal já não tinha mais recursos. A edição foi feita em mutirão, lembra Clô. O assunto principal foi a prisão de quatro jornalistas do jornal: Rafael Guimaraens, Rosvita Saueressig Laux, Osmar Trindade e Elmar Bones da Costa.

A Libretos começou a receber os jornais. Alguns já muito maltratados. Outros em boas condições de reprodução. Foi preciso separar e montar as coleções. No final, faltava o número dois. Foi preciso disparar e-mails para todos os lados. Apareceram quatro exemplares.

Clô afirma que o custo da obra – livro, de 272 páginas, em preto e branco (só a capa e contracapa são coloridas) e DVD – foi de cerca de R$ 150 mil. Os associados que forem ao lançamento receberão um exemplar gratuitamente. O livro, acompanhado do DVD, será vendido nas livrarias por R$ 40,00.

A digitalização do material, como queria Trindade, ficou para uma segunda etapa, devido ao alto custo do programa que a Libretos pretende usar. Um programa que permite chegar ao assunto, pesquisando cinco palavras. A Editora, no entanto, decidiu produzir 500 exemplares digitais do livro, que serão encaminhados a acervos públicos.

Temas e autores

A Libretos informa: as reportagens e entrevistas tratam de temas como anistia, sequestro dos uruguaios, a revolução da Nicarágua, as ditaduras militares do Uruguai, da Argentina e da Bolívia, as greves do ABC paulista, a guerrilha do Araguaia, os cassados pelo regime militar, a prática da degola nas revoluções gaúchas e documentos secretos do Exército sobre o combate à guerrilha. Há ainda os perfis de personagens importantes da época, como Golbery do Couto e Silva, José Lutzenberger, Teixeirinha e Dom Vicente Scherer. E entrevistas com Chico Buarque, Elis Regina, Henfil e Caetano Veloso.
Centeno lembra que a nova imagem de José Lutzenberger como um ambientalista importante surge com a reportagem do Coojornal, feita por Elmar Bones. “A partir daquela matéria, ele passou a ser levado a sério e não como uma figura folclórica”, declara Centeno.

As reportagens do livro são de autoria de Elmar Bones, Caco Barcelos, Licínio Azevedo, Eduardo Galeano, André Pereira, Geraldo Hasse, Luiz Cláudio Cunha, Hamilton Almeida Filho, Palmério Dória, Eduardo Bueno, Juarez Fonseca, Zélia Leal, Rafael Guimaraens, Ayrton Centeno e vários outros. As fotos são de Daniel de Andrade, Luiz Eduardo Achutti, Eduardo Tavares, Ricardo Chaves, Jacqueline Joner, Eneida Serrano, Roberto Silva e Luiz Abreu. E tem ainda charges e cartuns de Edgar Vasques, José Guaraci Fraga, Santiago, Luis Fernando Veríssimo, Juska, Batsow, Pedro Sosa, Ferré e outros humoristas daquela geração.

O cantor Teixinha assina ficha no PDS do general Figueiredo - Charge de Santiago
Ilustração assinada por Eugênio Neves

Festa virou extra

Roteirista do documentário, Ayrton Centeno conta que parte dos depoimentos gravados numa festa, produzida pela Libretos para reunir ex-coojornalistas, virou extra no vídeo. Inicialmente, recorda Centeno, quando Trindade ainda estava vivo, chegaram a pensar num documentário “pretensioso”, refazendo os caminhos percorridos pelos repórteres do Coojornal. Teriam de viajar pelo Brasil e exterior. O vídeo seria negociado com a TV Brasil. Não deu certo. Faltou dinheiro e nada foi feito.

Quando Rafael e Clô retomaram o projeto, ele foi chamado para fazer um novo roteiro. Desta vez bem mais modesto, reconhece. A decisão foi focar nos fundadores do Coojornal.

Centeno: roteiro modesto, com foco nos fundadores do Coojornal - Foto: Marcelo Amaral / Libretos

Escolhida a produtora — Manga Rosa, de Carlos Carmo – começaram a gravar os depoimentos. Apenas em Porto Alegre. Quem estava fora, como Rosvita, não foi ouvido. Centeno lamenta que não tivessem recursos para comprar imagens. “Quando falamos da entrevista que o Juarez Fonseca fez com a Elis Regina, o ideal seria ilustrar com imagens da Elis cantando. Mas, não havia dinheiro para isso”. Na edição final, segundo Centeno, ficaram os depoimentos de 15 pessoas, 50% dos que foram gravados.

O documentário abre com o relatório da Polícia Federal do Rio Grande do Sul sobre o Coojornal, que estava no Arquivo Nacional e foi liberado pelas autoridades, a pedido dos jornalistas. Os agentes da PF costumavam se referir ao veículo como um “jornal de comunistas, que atenta contra a Revolução Redentora de 31 de março”, lembra Centeno. Ele ressalta: “O Coojornal produziu com dignidade um jornalismo independente, oferecendo remuneração digna aos jornalistas”.

* Terceira e última de uma série de três matérias
* Leia também:
Coojornal, a cooperativa que incomodou a ditadura
Coojornal, um alternativo suprapartidário


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