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6 de junho de 2011
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18:29

Coojornal, a cooperativa que incomodou a ditadura

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Sul 21
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Associados e colaboradores da Coojornal em frente à sede na rua Comendador Coruja, em 1980 - Foto: Eduardo Tavares / Coojornal

Nubia Silveira *

Numa noite brasiliense de maio de 2007, quatro jornalistas gaúchos se reuniram numa casa do Lago Norte para fazer duas das coisas de que mais gostam: falar sobre jornalismo e saborear uma boa carne. O maître anfitrião, Luiz Claudio Cunha, e os amigos convidados, Geraldo Hasse, Luiz Lanzetta e Osmar Trindade, tinham muita coisa em comum. Além de terem trabalhado em vários jornais do Brasil, participaram de uma experiência marcante do jornalismo, na época da ditadura: o nascimento da Cooperativa dos Jornalistas e do Coojornal, um jornal alternativo. Tanto uma quanto o outro incomodaram o regime militar e fizeram história.

Como seria o esperado, no vaivém de assuntos, naquele fim de semana, em Brasília, as lembranças da Cooperativa e do Coojornal dominaram a reunião. Ali surgiu a ideia de preservar a memória desta experiência inédita. Osmar Trindade, associado de primeira hora e um dos três presidentes da Cooperativa, ao longo de sua existência, ficou encarregado de capitanear o projeto. Missão que ele topou na hora.

Passados quatro anos dessa reunião na casa de Jandyra, a Janda, e Luiz Cláudio Cunha, e dois da morte de Osmar Trindade, a editora Libretos lança na quinta-feira (9), na Assembleia Legislativa, um livro com 33 das melhores reportagens e entrevistas publicadas pelo Coojornal e um documentário de uma hora com depoimentos de muitos dos associados. Também será aberta uma exposição com as 82 capas do jornal, sendo quatro de edições especiais. No dia seguinte (10), o documentário voltará a ser apresentado e será realizado um debate com ex-coojornalistas.

O projeto da Libretos contempla em parte o idealizado por Trindade, que previa contar a história da Cooperativa e do seu principal jornal, digitalizando todas as edições do Coojornal. A falta de recursos levou à decisão de, neste momento, focar apenas no jornal, com a edição do livro e do documentário. A digitalização ocorrerá numa segunda etapa, quando forem obtidos mais recursos.

Histórias inseparáveis

Luiz Claudio lembra ter dito, no encontro em torno de um bom churrasco, “como manda a praxe gaudéria”, que a memória da Cooperativa estava centrada 90% nos jornalistas Osmar Trindade, Elmar Bones da Costa, José Antônio Vieira da Cunha, Jorge Polydoro e Rosvita Saueressig Laux, “cinco figuras fundamentais” na vida da Cooperativa. Para Elmar, Vieira, Polydoro e Rosvita, é impossível falar do Coojornal sem falar da Cooperativa. Eles são irmãos siameses. Nasceram, sobreviveram e morreram juntos.

José Antônio Vieira da Cunha, ao lado da mulher Eliete: uma notícia sobre o Il Giionarle deu início a tudo - Foto: Marcelo Amaral/ Libretos

Tudo começou no início dos anos 70, quando jovens e inquietos jornalistas sentiram que começava a chegar ao fim a proposta de um novo jornalismo – mais ousado e inovador — feito pela Folha da Manhã, um dos três jornais da Companhia Jornalística Caldas Jr., editora também do Correio do Povo e da Folha da Tarde. Pressões externas e internas se tornavam mais intensas. O momento político – todos acreditavam – logo sofreria uma mudança. Já havia militares trabalhando pela abertura. Jornais mais ousados, como a Folha da Manhã, e os alternativos, que pipocavam pelo país afora, poderiam ajudar a apressar o fim da ditadura.

Nas sacadas da Folha da Manhã, que davam para a Rua Caldas Jr., no Centro de Porto Alegre, repórteres e editores se reuniam para rápidos bate-papos sobre a vontade de trabalhar em um jornal em que a redação tivesse maior autonomia sobre o que era produzido e publicado. A conversa seguia nos bares, ao final de cada edição. Um dia, Vieira leu uma pequena notícia no Jornal da Tarde, de São Paulo, sobre o italiano Il Giornale, de Milão. Ali, falava-se de uma cooperativa de jornalistas. Vieira recortou a notícia e a apresentou aos colegas, perguntando-se se essa não seria a saída para os seus desejos e esperanças.

A conversa, então, prosperou. Saiu das sacadas da Folha da Manhã e das mesas de bares e restaurantes para a casa dos mais interessados. Uma das primeiras ocorreu na casa do próprio Vieira. O ano era 1974. No dia 15 de março, o general Ernesto Geisel assumira a presidência da República, como 29° presidente do Brasil e quarto general-presidente da ditadura, sem contar a atuação da Junta Militar, em 1969. No Rio Grande do Sul, governava Euclides Triches, indicado pelo ex-presidente general Emílio Médici e confirmado pela Assembleia Legislativa, em 15 de março de 1971.

Longas, mas civilizadas negociações

Dos primeiros encontros mais organizados não chegaram a participar 10 pessoas. Atual diretor-geral do Grupo Amanhã, que edita, entre outras publicações, as revistas Amanhã e Aplauso, Jorge Polydoro cita como integrantes da primeira reunião na casa de Vieira, ele, o anfitrião, Elmar Bones da Costa, João Borges de Souza, Luiz Claudio Cunha, Rosvita Saueressig Laux e Osmar Trindade. A partir daí o grupo começa a se ampliar, com a adesão, por exemplo, dos fotógrafos JB Scalco, Ricardo Chaves (Kadão) e Jaqueline Joner.

A ideia de criar uma cooperativa seduziu o grupo, por três razões principais, afirma José Antônio Vieira da Cunha: a cooperativa é um organismo democrático, em que cada sócio tem direito a um voto, independente de quantas cotas possua; as decisões não são individuais, mas tomadas em assembleia e a cooperativa visa ao bem-estar e à prosperidade de seus integrantes. Decisão tomada, o segundo passo foi ir até o Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, que ditava a política do cooperativismo no Brasil, controlando e fiscalizando as cooperativas. A primeira informação recebida foi de que não existia cooperativa de trabalhadores intelectuais.

Depois de muitas idas e vindas e da direção do Incra ter se comprometido a estudar o caso, os jornalistas gaúchos receberam a informação de que não haveria qualquer obstáculo para a formação da cooperativa. Vieira lembra que as negociações foram “longas, mas civilizadas”. Eles sempre foram bem recebidos pela direção do Instituto. Para dar início ao processo de criação da Cooperativa, segundo o Incra, seria preciso divulgar amplamente a intenção entre a categoria. Foram impressos panfletos, distribuídos em todas as redações de Porto Alegre.

A assembleia de criação foi realizada na tarde do dia 24 de agosto (um sábado) de 1974, na sede da ARI – Associação Riograndense de Imprensa. Da primeira reunião na casa de Vieira até este dia passaram-se seis meses. Apareceram 67 jornalistas interessados. “Um bom número para um sábado à tarde”, ressalta Vieira. Apenas um se retirou. Os demais 66 subscreveram cotas que integralizavam o capital da cooperativa. Cada cota valia menos do que um salário mínimo, que em 1º de maio de 1974, de acordo com o Decreto 73.995/74, era de Cr$ 376,80. O valor da cota assinada por Elmar Bones, por exemplo, era de 300 cruzeiros. Vieira diz que as cotas adquiridas poderiam ser pagas em “48 módicas prestações”. A assembleia foi interrompida para que os primeiros associados assinassem as promissórias, que, mais tarde, seriam dadas como garantia pelos empréstimos feitos na Caixa Econômica Estadual e no BNCC, o extinto Banco Nacional de Crédito Corporativo S.A. Os recursos se destinavam à aquisição de equipamentos. A Coojornal nasceu com o objetivo de lançar um jornal, afirma Elmar.

Negócios começam com a incorporação da Verbo

Elmar e Polydoro, ao saírem da Folha da Manhã, criaram uma pequena empresa, a Verbo, em sociedade com José Abujamra, atual presidente da Cordoaria São Leopoldo. Abujamra estava ligado ao jornalismo pelo casamento. Era casado com Marina Wodtke, então repórter da revista Manchete. A Verbo se instalou num dos dois andares de uma casa na rua Comendador Coruja, no Bairro Floresta, próximo à casa dos pais de Abujamra. Não demoraram para decolar. Polydoro, que já tinha tido experiência na área comercial antes de trabalhar na Folha da Manhã, era um bom homem de vendas.

Elmar Bones da Costa: um dos donos da Verbo, anexada à Cooperativa - Foto: Marcelo Amaral / Libretos

A Verbo já tinha como clientes a Elevadores Sûr, a Companhia União de Seguros Gerais e o Sport Club Internacional, para os quais produziam jornais e house organs (publicações internas de empresas), quando Abujamra anunciou que queria sair da sociedade. “O Abujamra era o sócio do dinheiro. Eu e o Elmar, do trabalho. Precisávamos conseguir outro sócio”, recorda Polydoro.

Associado atuante na Cooperativa, Luiz Claudio, ao ver, de um lado a Verbo em busca de sócio, e de outro, a Coojornal patinando, sem conseguir deslanchar, sugeriu a fusão das duas. Sugestão aceita, Vieira, que fora eleito o primeiro presidente da Cooperativa, convocou o Conselho de Administração, composto por ele, Rejane Baeta e Luiz Claudio, para opinar sobre o negócio. Ninguém tinha nada contra. Chegou a hora, então, de ouvir o Conselho Fiscal, integrado por Antônio Britto Filho, futuro governador do Estado pelo PMDB (1995-1999), Luiz Francisco Terra Júnior e Érico Valduga. Os conselheiros deram o aval para o negócio que, diziam, tinha futuro. Vieira, Elmar e Polydoro não lembram se a Cooperativa pagou pela Verbo. “Se pagou foi muito pouco e para o Abujamra pelos poucos móveis da Verbo. Eles passaram para a Cooperativa, que começou a funcionar na Comendador Coruja”.

Elmar e Polydoro, cooperativados desde o início, começaram a trabalhar na Coojornal, após a fusão da Verbo à Cooperativa. Como era natural, Polydoro se encarregou do design das publicações e da área comercial. Os negócios começaram a crescer. A Cooperativa – diz Vieira – chegou a produzir 35 publicações para terceiros, entre os anos 70 e 80, e a empregar 100 jornalistas, que recebiam salários de mercado. Entre estas publicações estão o Gaúcho, para o SESI, que chegou a ter uma circulação de 350 mil exemplares; Trigo e Soja, para a Fecotrigo; Rancho, para a Cooperativa de Consumo da CEEE; o jornal das Lojas Imcosul que, também, ultrapassou a marca dos 300 mil exemplares, e a revista da Associação Brasileira dos Supermercados.

De um boletim para os jornalistas nasce o Coojornal

Ao mesmo tempo em que fazia jornais e revistas para os clientes, a Cooperativa, conhecida também como Coojornal, editava um boletim tablóide de oito páginas para seus associados, que já eram 250, e montava uma Agência de Notícias, que tinha como principais assinantes os jornais do centro do país, como a Folha de S. Paulo. O boletim que levava o nome da Cooperativa tratava basicamente de comunicação: informava o que acontecia nas redações, nas agências de publicidade, no mercado de comunicação e na área acadêmica. O interesse pelo Coojornal, ainda na forma de boletim, foi crescendo. Passaram a circular 1.500 exemplares nas redações de Porto Alegre e São Paulo, principalmente, onde muitos gaúchos trabalhavam.

Quando a tiragem chegou a 4 mil exemplares, uma pergunta se impôs: “por que não fazer um jornal e colocá-lo nas bancas?” Afinal, a ideia de ter um jornal estava na gênese da Cooperativa. O primeiro número chegou às bancas em novembro de 1975, com 28 páginas e 8 mil exemplares.

Nessa época a Cooperativa e o Coojornal eram um sucesso. Vieira lembra que muitos jornalistas ambicionavam trabalhar por lá. Um deles era Geraldo Hasse, que estava cansado de seu cargo de editor da revista Veja. Ele chegou a se oferecer para trocar São Paulo por Porto Alegre. “Houve um momento – diz ele — , entre 1976 e 1978, em que eu ensaiei trocar a Veja pela Cooperativa. Vim conversar e botei as cartas na mesa. Eu topava ganhar menos. Vieira, Trindade e companhia não tiveram coragem. Talvez tivessem de criar uma vaga que seria questionada pelas bases sempre atentas (havia o tal assembleísmo). Talvez eu fosse mais útil em Sampa”. E lá ficou Geraldo, sem deixar de colaborar como associado e repórter.

A Coojornal tornou-se um ponto de encontro de jornalistas gaúchos e nacionais e, também, de políticos. Vieira lembra que havia uma cozinha na casa da Comendador Coruja, onde o pessoal se reunia para dar uma relaxada e falar sobre jornalismo. “Precisávamos manter uma vigilância permanente no laboratório fotográfico, local preferido pelos adeptos da Cannabis sativa. Mantínhamos uma eterna vigilância sobre os magrinhos”, afirma o ex-presidente da Cooperativa.

Bruna Lombardi: a atriz e poetisa quis conhecer a Cooperativa dos jornalistas gaúchos

Vieira cita alguns nomes que passaram por lá, mesmo sem serem convidados. Musa do poeta Mario Quintana, a atriz e poetisa Bruna Lombardi foi fazer hora na Cooperativa enquanto esperava o momento de dar autógrafos numa Feira do Livro do início dos anos 80. Darcy Ribeiro, antropólogo, político e escritor, criador da Universidade de Brasília, quando voltou do exílio, deu uma palestra na Cooperativa para um pequeno número de ouvintes, que se acotevelavam numa sala pequena. Duas outras figuras inesquecíveis são Millôr Fernandes e Jaguar. Eles foram até a Cooperativa escrever as colunas que deveriam enviar para o centro do país. “Enxugaram, em uma hora, uma garrafa de uísque que eu havia ganhado. Bebiam como se bebe água”, admira-se Vieira, ainda hoje.

Dois momentos: um apolítico e outro político

A Cooperativa e o Coojornal viveram dois momentos, afirma Rosvita Saueressig Laux, atualmente diretora de projetos editoriais do Valor: um apolítico e outro politizado. Rosvita, como Vieira, Elmar, Polydoro, João Souza e Danilo Ucha (autor de Em Busca da Sociedade Transparente sobre a Cooperativa), afirma que a Coojornal era pluralista, reunindo jornalistas de esquerda, centro e direita. Como exemplo desta afirmação, Elmar lembra que o diretor do Correio do Povo, Adail Borges Fortes, “extremamente conservador”, era um dos sócios. Ucha cita o capitão Erasmo Nascentes, diretor da Rádio Guaíba, como outro sócio. No entanto, nem Adail, nem o capitão Erasmo constam da lista de associados divulgada no site do Coojornal, produzido pela Libretos.

O estatuto da Cooperativa previa mandato de três anos para o presidente e número indefinido de reeleições. Temeroso de cair em tentação, Vieira logo propôs que os mandatos fossem de dois anos e permitida apenas uma reeleição. Estatuto que começa a valer no segundo mandato de Vieira, reeleito para um terceiro, já com alguma oposição dentro da Cooperativa. Ao ser realizada a quarta eleição, o Brasil tinha outra cara. Os anistiados estavam voltando ao país e a nova Lei Orgânica dos Partidos Políticos, sancionada no final de 1979, admitia o pluripartidarismo. Entidades sindicais e da sociedade civil se movimentavam para criar um novo partido de esquerda, que deveria ser e defender tudo o que os demais não eram nem defendiam.

Osmar Trindade: presidente de conciliação

Na Cooperativa, os 450 associados dividiam-se em várias correntes, que se reuniram em dois grupos. O confronto foi inevitável. Os idealizadores e fundadores da Coojornal defendiam que ela deveria ser apolítica, puramente profissional, um espaço não sectário, onde os jornalistas encontrariam emprego e a possibilidade de fazer um bom jornalismo, sem estar atrelado a qualquer partido. Este grupo defendia que o jornal da Cooperativa, o Coojornal, não fosse um jornal de oposição, “mas que avançasse além dos limites impostos à imprensa” pelo regime militar; que resistisse à autocensura, afirma Elmar. Polydoro diz que tanto a Cooperativa quanto o Coojornal, ao invés de terem uma posição ideológica, deviam dar espaço à divergência. O outro grupo, do qual faziam parte tendências como a Liberdade e Luta — Libelu e a Convergência Socialista, identificava-se com o partido que nascia, o PT, e lutava por posições mais à esquerda.

Rosvita defende que a cooperativa era uma empresa que trabalhava de forma mais democrática. Não era empresa de um dono só, mas de centenas de donos, e não poderia ter sido politizada. Na quarta eleição para a presidência, surge um nome de conciliação: Osmar Trindade. Ele evita a ruptura por dois anos. Na eleição seguinte, não houve como conciliar. Os que defendiam a esquerdização e a politização da Cooperativa ganharam as eleições, elegendo como presidente o fotógrafo Gerson Schirmer.

Final doloroso

A Cooperativa lançara, sem sucesso, um segundo jornal, O Rio Grande, semanário, que, ao contrário do Coojornal, tratava dos fatos da semana. Não teve sucesso. Mesmo assim, os negócios iam bem. A Cooperativa tinha um parque gráfico incipiente. Não dependia de ninguém para fazer a composição de seus produtos. Vieira e Polydoro lembram, com orgulho, que apenas a impressão dos jornais e revistas, produzidos pela Cooperativa, era feita em outros locais, como a Corag – Companhia Rio-grandense de Artes Gráficas.

Mas, a pressão feita pelo governo sobre os anunciantes já se fazia sentir. A essa situação somou-se a divisão política dos associados, enfraquecendo a Cooperativa. Danilo Ucha, em seu livro Em Busca da Sociedade Transparente, aponta ainda, como causas da derrocada da até então vitoriosa experiência dos jornalistas gaúchos, o assembleísmo e a ligação com o PT, que, alerta, não era o mesmo partido de hoje. O PT dos anos 80 era mais radical e sectário. Vieira, Rosvita, Elmar e Polydoro acreditam que esses fatores aliados a uma gestão pouco qualificada, por falta de conhecimentos administrativos, causaram o fim da Cooperativa e, por conseguinte, do Coojornal.

Jorge Polydoro assumiu a área comercial da Cooperativa

Gerson Schirmer estava na presidência, quando uma Assembleia Geral Extraordinária, realizada em setembro de 1983, da qual participaram apenas 20 associadas, conforme a edição da revista Experiência, de junho de 1996, deliberou pela extinção da Coopertiva. Gerson enviou ao Incra um requerimento solicitando a sua liquidação. Por e-mail, ele afirma que não tem “nada a declarar” sobre o fechamento da Coojornal. “As duas pessoas que poderiam confirmar qualquer declaração minha, infelizmente, morreram”, diz Gerson. “O Osmar Trindade, o último presidente eleito e a quem eu substituí, e o João Batista Aveline, que indicou meu nome para presidente, numa reunião fechada no Sindicato dos Jornalistas”. Ele afirma também que “quando pegamos a Coojornal, a sede da Comendador Coruja já estava fechada e completamente sem funcionários”.

Apesar de dizer que não tem “nada a declarar”, ao ser questionado sobre a dívida da Cooperativa, ele escreve: “Repito pra ti a mesma coisa que falei para o Diretor do Incra (não me recordo o nome, mas ele era jornalista da CJCJ), quando fui chamado para tentar resolver o pagamento da dívida da Cooperativa: ‘Jamais falarei mal de qualquer jornalista por princípio’ e que, se ele (diretor do Incra) me permitisse, eu chamaria todas as sucursais e jornais de Porto Alegre para que a imprensa ouvisse da boca dele a questão da dívida da Coojornal. Na mesma hora, ele fez o que era corriqueiro na época com todas as cooperativas do Brasil: as dívidas iam para arquivo. Portanto, ninguém nunca soube ao certo o tamanho da dívida”.

Vieira lembra que a Cooperativa devia o aluguel da casa na Comendador Coruja e um empréstimo feito na Caixa Econômica Estadual para comprar equipamentos de fotocomposição. Os fiadores do aluguel – João Aveline e Carlos Vieira da Cunha – pagaram a dívida, referente a cerca de três ou quatro meses de aluguéis, afirma Vieira. E os fiadores do empréstimo – Antonio de Oliveira Gonzalez, já falecido, e Clarice Aquistapace – precisaram vender um apartamento cada um para saldar o empréstimo, que já tinha sido renovado mais de uma vez sem que os fiadores soubessem disso, revela Clarice.

Funcionária concursada da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Clarice trabalhava na Assessoria de Comunicação da Universidade. Lembra que assinou a fiança ao saber que o outro fiador era “o Antoninho Gonzalez”. Nunca mais lembrou da fiança. Até o dia em que recebeu um recado que deveria “entrar em contato com o Gastão no número tal”. Aí ficou sabendo que o Gastão era um oficial de Justiça. Ele informou que ela teria 24 horas para pagar a dívida. A quantia ela não recorda mais qual era. “O Antoninho conseguiu uma reunião com o diretor-presidente da Caixa Econômica Estadual (já extinta) e ele mandou suspender a ação judicial. Também nos ofereceu um empréstimo com juros baixos, que deveria ser assinado por dois emitentes e dois fiadores”. Os emitentes seriam Osmar Trindade e Rafael Guimaraens, e os fiadores – diz Clarice – ela, Antônio Gonzalez e Antônio Oliveira. Seria uma dívida solidária, em que se um não pagasse, os outros deveriam arcar com a dívida. Como os demais não aceitaram a proposta, nem tinham imóveis para garantir o empréstimo, ela e Gonzalez decidiram se desfazer de seus bens para pagar o montante. Gonzalez vendeu o apartamento em que morava e ela um que mantinha alugado. Todo o dinheiro da venda do imóvel dela foi para a CEE.

Clarice Aquistapace lamenta “a perda de uma grande ideia”

Para Clarice, esse foi um episódio doloroso, que não gosta de lembrar. Ela lamenta, acima de tudo, “a perda de uma grande ideia”. E faz questão de ressaltar a atitude solidária do colega Juarez Fonseca, um dos associados. Especializado na cobertura de música, Juarez promoveu um show no Salão de Atos da UFRGS, com músicos e cantores gaúchos. O borderô – não muito grande – foi doado para pagar a fiança da casa e o empréstimo.

Uma experiência histórica

Durante nove anos (de 1974 a 1983) a Cooperativa dos Jornalistas foi um exemplo de jornalismo democrático. Serviu de incentivo para a criação de outras 12 cooperativas brasileiras de jornalistas. “A Coojornal foi uma iniciativa inédita e pioneira, que inspirou outras 12 cooperativas. A de Natal tem sobrevivido”, afirma Vieira. Ele seguidamente viajava para alguma parte do país para falar sobre a experiência histórica dos jornalistas gaúchos e ensinar os colegas a organizar a sua própria cooperativa.

Danilo Ucha defende que a Cooperativa foi “um grande feito de um grupo de jornalistas, num momento difícil da política brasileira”. Para Rosvita, ela foi uma “experiência fantástica”: “Qualquer experiência jornalística que concilie um bom veículo, bom material e boa remuneração será sempre bem-vinda.”

* Primeira de três reportagens. Leia amanhã: Coojornal, um alternativo suprapartidário


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