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23 de abril de 2011
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11:30

Waris Darie, uma guerreira contra a mutilação genital feminina

Por
Sul 21
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Waris Dirie, modelo somali - Foto: Diritube.com

Fernando de Oliveira /Diário Regional

Nascida em uma família de nômades, em 1965, a somali Waris Dirie foi uma das modelos mais requisitadas nos anos 80, interpretou inclusive o papel de Bond Girl em 007 Marcado para morrer, no qual o agente britânico James Bond foi vivido pelo ator Timothy Dalton. No entanto, o que a torna mais conhecida pelo mundo é a luta contra a mutilação genital feminina (FGM, na sigla em inglês), que ocorre com mais frequência na África e na Ásia, e também contra outras formas de violência à mulher.

Sua luta vem de um drama vivido na infância que, segundo ela, lhe deixou marcas físicas e psicológicas que carregará para o resto da vida. Aos 5 anos de idade, em uma tarde trágica, Waris foi vítima da circuncisão feminina. Teve seu clitóris cortado, assim como os grandes e pequenos lábios. Não bastasse isso, aos 13 anos foi submetida a um casamento forçado. Sendo esta a razão pela qual fugiu da Somália. Foi morar então em Londres, onde primeiro conseguiu emprego como faxineira da Embaixada da Somália e depois como garçonete.

E foi em seu emprego como garçonete que Waris, então com 18 anos, foi descoberta pelo fotógrafo britânico Terence Donovan. A partir daí foi revelada como modelo.

Terence Donovan, falecido em 1996, lançou Waris como modelo

Em 1997, Waris contou ao mundo sua trajetória em Flor do Deserto, autobiografia que se tornou um best seller internacional e originou um filme homônimo, anos mais tarde, no qual a ex-modelo é interpretada pela etíope Liya Kebede.

Hoje, com 45 anos, Waris Dirie dirige a Fundação Flor do Deserto (Desert Flower Foundation), a qual criou em 2002 em Viena, na Áustria, onde reside. Além disso, viaja pelo mundo divulgando sua causa como Embaixadora da Organização das Nações Unidas (ONU). Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, de Viena, Waris discorre sobre a causa que defende e que a coloca na posição de uma das principais ativistas dos Direitos Humanos.

Waris Dirie

Pergunta — A senhora passou pelo ritual de mutilação genital feminina aos cinco anos. O que isso significou para sua vida?
Waris Dirie —
Isso mudou a minha vida para sempre. A mutilação genital feminina não é algo que acontece com você e lhe permite superar isso e seguir em frente. Os milhões de mulheres e meninas que são vítimas de mutilação genital feminina têm que conviver com muitas consequências físicas e psicológicas para o resto de suas vidas!

P. — Essa prática vem perdendo força ao longo dos anos?
W. D. — Infelizmente não, pelo menos não na So¬mália, de onde eu venho. Tem havido uma evolução positiva em muitos países, no entanto, o que me dá esperança. Muitos países adotaram leis mais rigoro¬sas e começaram a aplicá-las. As sociedades estão começando a aceitar menos essa prática. Na Europa, a conscientização do proble¬ma aumentou nos últimos 10 anos. Sei que esta hor¬rível prática será erradicada um dia e eu não vou parar de lutar até que isso aconteça.

P. — Qual é o papel da Desert Flower Foundation?
W. D. —
Minha fundação realiza pesquisas, promove campanhas em todo o mundo, bem como projetos na África para apoiar as mulheres. Estou convencida de que, especialmente em países onde a mutilação genital feminina é muito difundida, como na África Oriental, as mulheres precisam ser capacitadas e instruídas de forma a serem capazes de mudar alguma coisa para suas filhas. É por isso que minha fundação está trabalhando em projetos que geram empregos para as mulheres na África Oriental. Ter sua própria renda significa a independência e a capacidade de fazer escolhas para a sua família ao invés de ter de cumprir as feitas por seu marido ou pai.

P. — A senhora disse em uma entrevista que a violência contra as mulheres é baseada no medo do poder e da força da mulher. Mas a origem dessa violência não estaria na crença ou no sectarismo religioso?
W.D. —
Eu acho que a religião é usada apenas como uma desculpa para todos os tipos de violência e repressão. O que realmente motiva é o medo. Não há nenhuma religião no mundo que exija que as mulheres sejam mutiladas. Muitos líderes religiosos têm tornado isso muito claro. No entanto, pessoas que continuam a praticar a mutilação genital feminina usam a religião como uma “desculpa” para fazer isso.

Waris Dirie

P. — A senhora acredita que o mundo teria paz se tivesse mais mulheres no poder?
W.D. —
Eu acredito que o mundo teria mais paz se nosso sistema político e social fosse mais “feminino”. Vivemos em sociedades dominadas pelo sexo masculino. Em alguns países é menos pronunciado; em outros, mais. Colocar uma mulher em uma posição alta na política dentro deste sistema não vai fazer a diferença. Ela vai ser forçada a agir como um homem até mesmo para chegar tão alto. Isto é o que precisamos mudar. Somos mais de 50% das pessoas neste planeta e isso deve ser refletido na forma como os nossos países e comunidades são organizados e governados.

P. — As redes sociais mostram que podem ser uma arma no combate a ditaduras. O que acontece no Oriente Médio é um exemplo. O mesmo pode ser dito com relação à violência contra a mulher no mundo?
W. D. —
Espero que as redes sociais possam dar às mulheres mais jovens e, especialmente, às meninas, o acesso à informação que necessitam para se protegerem. Espero que isso lhes dê uma plataforma para compartilhar suas histórias e que seja um meio pelo qual sintam menos medo de pedir ajuda se forem ameaçadas de mutilação genital feminina ou por outras formas de violência. Minha fundação e eu somos muito ativas em plataformas de mídia social como o Facebook.

P. — O que é preciso fazer para erradicar a circuncisão feminina e outras formas de violências contra as mulheres?
W. D. —
Todos precisamos lutar juntos para conseguir isso. As mulheres precisam deixar claro que elas não vão aceitar a violência em suas casas, que elas não aceitarão ter suas filhas mutiladas ou casadas quando adolescentes. Os homens precisam tomar uma atitude e superar o medo irracional de que uma mulher que não seja mutilada não pode servir para eles. Estou convencida de que o primeiro passo nessa luta é fazer com que as mulheres mais independentes e confiantes busquem, através da educação e independência financeira, postos de trabalho qualificado.

Temos de tomar uma atitude contra a extrema violência doméstica, também. Muitas mulheres são vítimas de violência doméstica e, no entanto, permanecem com seus maridos por medo da degradação social. Precisamos ter certeza de que nós, como sociedade, apoiamos estas mulheres, em vez de ignorá-las!


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