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13 de abril de 2011
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21:49

Massacre carioca abre debate sobre o papel da escola na prevenção à violência

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Sul 21
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Parentes das vítimas da escola de Realengo - Foto: site Café das Quatro

Rachel Duarte

Pela primeira vez no Brasil, um jovem matou 12 adolescentes dentro da escola em que estudou. Ao final do trágico episódio, com ares de ficção cientifica, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, foi baleado e, em seguida, atirou na sua própria cabeça. O fato provocou dor e uma série de debates sobre as razões que levam o ser humano a atos de extrema violência. Depois do massacre, ocorrido no dia 7 de abril, na escola de Realengo, no Rio de Janeiro, especialistas acreditam que, além de ter um novo olhar sobre o que acontece na sociedade brasileira, é preciso que o governo adote medidas urgentes.

A educação brasileira e a segurança pública são áreas diretamente relacionadas à prevenção da violência. Para a especialista gaúcha em Criança e Adolescente em Situação de Risco, Jana Vappe, a brutalidade do massacre de Realengo é mais comum nas escolas americanas e, por isso, coloca o país diante de um novo paradigma. “O importante é pensar que agora precisaremos nos debruçar para entender este fenômeno. Não sabemos se estamos falando da mesma realidade dos americanos, em que os crimes cometidos por jovens nas escolas são motivados por bullying. Mas, algumas hipóteses que apareceram até agora demonstram a mesma problemática”, diz.

Ela cita a falta de estrutura familiar, de vínculos, de afeto e do abando, que muitos jovens sofrem, como causadores da violência. O ritmo competitivo e acelerado do mundo atual exige dos pais tempo e foco na sobrevivência, provocando lacunas no amparo psicológico, que deveriam dar aos filhos. “E isso não é exclusividade de uma classe econômica. As crianças têm sido constantemente abandonadas. Está faltando para a juventude brasileira parâmetros mínimos de referência sobre o respeito ao outro, a tolerância, a não-violência”, explica.

No caso de Wellington, com base no que foi divulgado até o momento sobre o caso, Jana aponta o abandono da família, aliado a um abandono da escola, como possíveis fatores que influenciaram em uma doença mental do jovem. “Ele não tinha a primeira família. Perdeu a mãe adotiva há um ano e meio. Quando ele perdeu também a escola, que pode ter sido o único lugar de acolhimento e pertencimento que ele tinha, ficou sem referência nenhuma”, falou. Este histórico permitiria compreender a atitude do assassino.

Violência gera violência

A atrocidade praticada por Wellington, que matou estudantes cariocas, não tem justificativa, mas faz refletir sobre o que acontece no dia-a-dia das salas de aula brasileiras. O massacre de Columbine, ocorrido em 1999, nos Estados Unidos, onde dois adolescentes atiraram em vários professores e colegas, foi motivado pela violência que os jovens sofriam no colégio. No caso brasileiro, as informações sobre o passado de Wellington levam a acreditar que ele, também, sofria agressões verbais na escola de Realengo.

No caso americano, a sociedade refletiu e enfrentou o que veio a ser chamado de Bullying (do inglês bully = “valentão”). O termo em inglês é dado a atitudes agressivas, verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa, que não tem possibilidade ou capacidade de se defender. As provocações causam dor e angústia, podendo resultar em depressão ou vingança.

Há uma tendência de as escolas não admitirem a ocorrência do bullying entre seus alunos. Ou elas desconhecem o problema ou se negam a enfrentá-lo — atitudes que o autor do massacre carioca pode ter enfrentado. A educadora da Ulbra e especialista em Bullying, Haydde Moraes, explica que a vítima deste tipo de violência pode praticar vingança mesmo anos mais tarde. “As marcas são profundas. Precisamos tratar também os agressores, que normalmente são vítimas de violência doméstica”, disse. E repete a mesma receita da especialista Jana Vappe: “a prevenção tem que partir do ensinamento de valores como preservação da vida e respeito às diferenças”.

Haydde critica a educação brasileira que deveria incluir a realidade dos alunos no currículo escolar. “As escolas se preocupam muito com outros aspectos. Em uma realidade como a nossa, não podemos ignorar a existência da violência. Temos que focar no respeito ao próximo e nas diferenças dentro de sala de aula”, reforça. Ela alerta também para uma possível falha na relação entre professores e alunos. “Os professores têm que estar atento às crianças que tendem a se isolar, silenciar demais, que mudam de comportamento”, disse.

RS enfrenta o bullying

A secretária-adjunta de Educação do Rio Grande do Sul, Maria Eulalia Nascimento, explica que no estado já estão ocorrendo ações para enfrentamento do bullying na rede escolar gaúcha. Projetos que tratam do problema estão em andamento na Assembleia Legislativa e na Câmara Municipal de Porto Alegre.

Na avaliação de Maria Eulalia, “o bullying, por si só, não explica nem a tragédia no Rio de Janeiro, nem as questões de violência mais graves que presenciamos nas escolas”. Ela defende o fenômeno como um elemento que representa muito mais a manifestação de uma sociedade violenta e impune aos crimes que comete. “A expressão muito utilizada pelos adolescentes é: ‘pode fazer que não dá nada’”, exemplificou.

No que toca à responsabilidade da escola e do professor, a secretária-adjunta alerta para os sinais que podem ser percebidos dentro da sala de aula. “O importante é prestar atenção em várias situações, sejam elas da fala, dos alunos mais ativos. Mas, também, do silêncio, daqueles que não participam”. Ela alerta que os professores nãodevem rotular os alunos, mas olhar para todos com a mesma atenção.

Violência: soluções regionais

Maria Eulália lembra que foi instalado, no gabinete do vice-governador gaúcho, Beto Grill, um comitê que prepara ações de prevenção à violência no trânsito. Outro projeto, que se desenvolve na área da educação, visando a não-violência, é o OAB vai à Escola, em que a Ordem dos Advogados do Brasil/RS realiza palestras, abordando desde questões piscológicas até as criminais. A OAB/RS ainda “propicia mediações de conflitos no âmbito escolar”, ressalta a secretária-adjunta. “Claro que a mediação de conflitos se dá com alunos maiores de idade”.

Maria Eulália anuncia que, amanhã (14) às 15 horas, estarão reunidos OAB, Brigada Militar, Conselho Tutelar, Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente, Comissão de Educação da AL, Câmara Municipal de Porto Alegre e secretarias estaduais de Educação, Justiça e Segurança Pública para discutir a violência nas escolas. “Pretendemos propor que as escolas constituam no seu espaço comitês de segurança, que envolvam além de professores, funcionários, alunos e pais, as instituições do entorno, como igreja, associações de moradores, e pessoas que queiram contribuir”, falou. A intenção é unir todos os atores da comunidade escolar na identificação das causas da violência nos estabelecimentos de ensino público.

Aberto o debate

O caso específico do Rio de Janeiro abriu o debate entre os especialistas, gestores e intelectuais sobre como lidar com a violência nas escolas e o que a segurança tem a ver com a educação. Porém, a secretária gaúcha não acredita que, cercando as instituições de ensino, podem-se evitar casos tão brutais como o ocorrido em Realengo. “Os investimentos só nesta parte de segurança física, com câmeras de vigilância e muros altos, não resolve. Primeiro porque tu não transformas uma escola em um presídio. Segundo, porque já há experiências, as mais exitosas, que comprovam isto”, citou exemplificando a experiência americana.

Em Nova York, as escolas abertas para a comunidade — em uma compreensão de que a escola é um espaço de trânsito e não de isolamento — são as que menos registram ocorrências. Por esta razão, mesmo antes do episódio carioca, o secretário de Educação do RS, José Clóvis de Azevedo, agendou uma visita aos Estados Unidos. Ele viaja nesta sexta-feira (15), para Nova York, retornando no final do mês.


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