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3 de março de 2011
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17:51

Por que ler isso?

Por
Sul 21
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Na semana em que todos lamentamos a perda de Moacyr Scliar, lembrei-me de uma crônica sua que li anos atrás. Nela, o escritor contava sobre um amigo que lhe pedira para incentivar o filho de 12 anos a ler. Scliar armou-se de argumentos, dos quais o garoto safou-se com um pedido: que ele resumisse o livro em dez linhas. Dessa forma, o menino saberia se iria querer ler o livro, ou não. Scliar contava então do esforço feito para completar a tarefa, pois queria que as tais dez linhas guardassem toda a magia do livro indicado. Quando se deu por satisfeito com o resultado, apresentou-o ao garoto, que leu e devolveu com um “legal”. Ao ser perguntado se leria o livro, o menino teria respondido: por que eu leria um livro que pode ser resumido em dez linhas?

Nem sempre leitores e não-leitores conseguem comunicar-se. E, claro, refiro-me aos leitores que não o fazem por exigências profissionais, mas aos que leem por prazer. É com este grupo que a conversa á mais difícil. Ler é uma aventura pessoal e intransferível, que exige disponibilidade e uma certa empatia com o que se lê. Seu amigo pode ter achado o romance X maravilhoso, mas isso não o tornará, fatalmente, maravilhoso para você. E mesmo que vocês dois venham a amar o romance X, é bem possível que isso não se dê, exatamente pelos mesmos motivos.

Se deixarmos de lado os problemas da alfabetização e do ensino da literatura no Brasil, ainda assim, encontraremos um cenário dividido. De um lado, os aficionados pela leitura, do outro, os que não tem o menor interesse por isso. Há grupos entre uns e outros, com certeza, mas é dos radicais, de um e outro lado, que vem a maior parte das reclamações. Os aficionados em leitura se sentem sozinhos, isolados, reclamam de não ter com quem conversar. Os que não amam a palavra escrita reclamam dos que só falam em livros, que “deixam de viver para ler”, que são chatos.

De um lado e de outro, criam-se mecanismos de exclusão, os quais podem ser mais ou menos dolorosos, de acordo com o grupo que você se insere. Atualmente, os leitores tem ganhado um aliado contra o isolamento via internet. Dou testemunho de que hoje é muito mais fácil contatar outros aficionados em leitura do que era há dez ou vinte anos atrás.

Como pertenço ao grupo dos chatos, pelo menos nos últimos 32 anos da minha vida, eis meus argumentos ao outro grupo.

Quem lê por prazer não é melhor que quem não lê. Não tem mais capacidade. Muitas vezes, também não é mais inteligente. O simples ato de ler não torna ninguém superior, ou imediatamente culto, nem tampouco sábio.

No entanto, quem lê carrega consigo, sempre, um portal. Uma passagem escondida dentro da cabeça, capaz de fazê-lo ir onde quiser, quando quiser. Há uma enorme quantidade de liberdade em cada página lida. E, não são poucos os relatos de leitores que, aprisionados, torturados, isolados, mantiveram a sanidade unicamente pela memória do lido.

Não se trata de uma campanha em favor da leitura. Se alguém se tornar um leitor insaciável da noite para o dia, talvez, nem sinta nada modificar-se. Não lhe brotará um óculos no rosto, nem ganhará uma fala empolada ou sofisticada. Permanecerá o mesmo, a não ser por uns poucos detalhes.

Um pouco mais de sonhos, talvez. Algumas horas de encantamento. Histórias de viagens impossíveis para contar. E, certamente, uma tolerância a palavra escrita bem maior do que dez linhas.

Talvez seja por tudo isso, que os leitores queiram tanto e tanto convencer seus amigos não leitores. E, com certeza, adoraríamos ter um condão para convencê-los com um único toque de varinha. Como não temos, somos os chatos que não param de narrar a última aventura lida, desejando que nosso contar tenha o poder das palavras de Sherazade e adiem nossa execução.

Por mim, digo apenas que, nestes últimos dias, tenho viajado com o Capitão Ferguson em um balão pelos territórios recônditos da África. Volto em cinco semanas.

* Nikelen Witter é professora, historiadora e leitora aficionada.


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