Colunas>Marcelo Carneiro da Cunha
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29 de março de 2011
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13:04

O amargo sabor da picuinha

Por
Sul 21
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Estimados sulvinteumenses, eu garanto a todos que o meu título preferido seria “O maravilhoso sabor da picanha”, inspirado na carne que o ator e diretor Celso Frateschi, paulistano da gema, mas casado com a gauchíssima Sylvia Moreira preparou ontem. Uma refeição deliciosa e entre amigos no domingo nos deixam a todos acreditando em um mundo melhor. Mas uma reportagem como a que li em um jornal de hoje, que minha amantíssima Baronesa Carneiro da Cunha, trouxe de Porto Alegre afetou o meu sistema biliar.

A tal matéria, com a legenda “Escândalo”, é intitulada “Ex-diretor de Memorial é alvo de inquérito”. O ex-diretor do Memorial do RGS é o professor Voltaire Schilling.

Estimados leitores, eu não conheço o professor Voltaire Schilling, que eu saiba. Ao menos não lembro de termos conversado, embora, em se tratando de uma cidade gregária como Porto Alegre, tudo ser possível. Para mim, Voltaire Schilling é um historiador que colunava, ou coluna, no jornal Zero Hora, sobre história e política, creio. Me pareceu sempre um daqueles intelectuais informados e cultos, da velha escola gaúcha, nunca o alvo de algum escândalo.

Não sei como é para vocês, mas quando leio “escândalo” eu já saio pensando na Jackie Roriz, no mínimo. Minha irritação com a matéria se elevou quando li que o tal escândalo está associado a um inquérito administrativo, ou seja, ação interna em um governo com a maior cara de quem gosta de briga, como o da ex-governadora Yeda Crusius. Desde quando inquérito administrativo é um escândalo? Qualquer um abre um inquérito administrativo em um governo, especialmente quando alguém não gosta de alguém. O que afinal é o objeto do tal inquérito, foi o que eu pensei, curioso em ver no que estaria metido o professor Schilling que justificasse um inquérito e matéria de página?

Estimados leitores, li, e li, e quanto mais eu lia mais eu me irritava, não sei se com o governo da Yeda Crusius ou com quem fez ou quem publicou a tal matéria. Gastos com táxi? Uma conta de celular de 300 reais? Diárias em viagens? Despesas com petiscos?

Estimada autora dessa matéria, olhe bem para mim: você se sente jornalista dando fofocas e picuinhas dessas sem ao menos se esforçar por contextualizá-las? EU gasto trezentos reais de celular, e não sou diretor de coisa alguma. É impossível alguém dirigir uma instituição e não ter gastos com táxi, e é improvável que não ocorra alguma troca de recibos e datas e é improvável que isso constitua algum crime, mesmo que possa ser irregular, ou burocraticamente não seja 100% kosher, como diz um amigo.

Dar matéria de página pra uma besteira dessas, pra que, por que? Ou melhor, reportar, a imprensa pode e deve reportar tudo que lhe parecer notícia. Mas sem contextualizar? Sem relativizar? Isso é um desserviço ao leitor, e seguramente pode ser uma enorme injustiça a quem se vê exposto e acusado, podendo, tranquilamente, ser inocente. Vão repor os danos depois como? Notinha de “Erramos, foi mal aí!”?

Se bem que estamos falando da ex secretária de Cultura, Mônica Leal, que aliás eu não conheço, e vim morar longe do RS para jamais conhecer. Se é verdade que ela propôs a realização de um baile nacional de debutantes, em um encontro nacional de Secretários de Cultura, bom, que mais há a dizer? Se não é verdade, é pelo menos uma bela história e anedota, e o fato de ela existir mostra o quanto era admirada pelos seus pares a nossa ex secretária. A escolha da secretária de Cultura disse muito sobre o governo Yeda Crusius.

Aí vocês podem me dizer que uma pessoa em um cargo público pode ser responsabilizada por tudo e por todos os seus atos, e acho que deve ser verdade. Também podem dizer que um real ou um milhão é a mesma coisa, e que um erro ou um ato criminoso são a mesma coisa. Mas não são, nem um, nem outro. E, se ninguém mais sabe disso, um jornal, entre todos os demais tipos de organização ou instituição, deveria saber. Um jornal não está aqui para simplesmente colocar o que for nas suas páginas. Um jornal deve dizer o que está ali, o que provavelmente significa, o que diferentes pessoas de diferentes posições acham, e, acima de tudo, a quem serve o que está sendo dito.

Expor alguém a esse tipo de constrangimento, com base nesse processo ou nesses argumentos, pode ser, como diria o Bóris nos tempos áureos e pré-garis, uma vergonha. E, muito provavelmente, é.


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