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22 de março de 2011
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19:13

Fukushima é a causa de um novo dilema brasileiro: aumentar ou não a oferta de energia nuclear

Por
Sul 21
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Acidente na usina nuclear de Fukushima preocupa autoridades internacionais - Foto/ Portal Nippon.com

Felipe Prestes

O Brasil vive um dilema na questão energética, segundo o diretor-geral do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (Isape), Lucas Kerr. O país não pode manter um crescimento econômico como o do ano passado (7,5%), sem expandir consideravelmente a oferta de energia. Para isso, são necessários investimentos de cerca de R$ 1,3 trilhão em infraestrutura de energia, nos próximos dez anos, sendo que o país deverá estar atento aos impactos sociais e ambientais desta expansão. No entanto, neste momento em que o Japão sofre com os vazamentos ocorridos na usina nuclear de Fukushima, surge um novo questionamento: vale a pena expandir a oferta de energia nuclear?

O plano brasileiro para energia até 2030 prevê uma expansão na oferta de energia nuclear com a construção de pelo menos mais quatro usinas, além de Angra III, que já está sendo construída e deve entrar em operação em 2015. A própria presidenta Dilma Rousseff defendia, enquanto ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, a expansão desta fonte de energia. O mesmo tem feito o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, em entrevistas recentes. Contudo, a própria Dilma ficou “extremamente preocupada” com a questão nuclear após o que ocorreu em Fukushima, segundo revelou o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Ponto pacífico no governo é de que nossas usinas já existentes – Angra I e Angra II – passarão por uma avaliação de suas reais condições de segurança.

“Tenho minhas dúvidas se esta expansão das usinas nucleares vai se tornar realidade agora, principalmente depois deste acidente no Japão”, afirma Lucas Kerr. Integrante da diretoria da Associação Brasileira de Energia Nuclear (ABEN), Guilherme Camargo tem opinião diversa. “O incidente não afetará os programas nucleares dos países que efetivamente estavam comprometidos com estes programas”, afirma. Camargo considera eleitoreiras atitudes como a da chanceler alemã Ângela Merkel, que defendeu o abandono gradual da energia nuclear. Apesar disto, ele diz que o incidente japonês certamente provocará revisões técnicas e mudanças em projetos de usinas. “Vai levar a uma evolução, mas também não será uma grande revolução, porque a atual tecnologia já provou ser bastante segura”, diz.

Angra I - Rodrigo Soldon/Flickr
Tecnologia para o futuro

Lucas Kerr não é contra o uso da energia nuclear, mas apresenta várias restrições. Segundo ele, a energia nuclear vinha sendo vendida como uma energia limpa, pela baixa emissão de carbono. O critério é controverso, de acordo com o especialista. Ele lembra os impactos que um acidente em uma usina nuclear podem trazer. O acidente em Chernobyl, na Ucrânia, por exemplo, o maior da história, varreu do mapa quase toda a produção agrícola da União Soviética e de outros países do Leste Europeu em 1986 e 1987, desalojou a população que vivia próxima à usina e causou contaminações nas pessoas, que podem ser transmitidas para seus descendentes. “Há impactos de longo prazo. A radiação fica ali”.

Kerr afirma que é difícil mensurar se vale a pena gerar energia nuclear, mas tem posição contrária ao modo como ela é gerada, atualmente. Hoje, o funcionamento de uma usina nuclear se dá assim: o conteúdo radioativo gera calor, que esquenta água. Esta água se transforma em vapor, cuja pressão gera energia termelétrica. Apesar de todos os mecanismos de segurança, este processo não está de todo livre de uma explosão ou de um incêndio. Ele conta que já há experimentos em que a radiação se transforma direto em energia elétrica, por meio de semicondutores, tecnologia bem menos suscetível a acidentes. Uma solução tecnológica para evitar, por exemplo, que um avião caia em cima de uma usina, ou que ela seja destruída por um tremor de terra, é construir usinas subterrâneas. O Irã já enriquece urânio em uma usina embaixo da terra. “São tecnologias ainda muito caras”, ressalta.

O especialista em segurança energética aponta ainda como um problema do uso da geração de energia nuclear no Brasil a falta de domínio do país sobre toda a tecnologia. Segundo Kerr, a tecnologia em Angra I, por exemplo, é uma “caixa preta” para os brasileiros. “A gente precisaria de ajuda dos Estados Unidos para controlar um acidente. O ideal seria que a gente controlasse esta tecnologia 100%. Não dá para a gente pensar em construir mais usinas do que Angra III sem a gente controlar todas as etapas do processo tecnológico. Todo o processo industrial, de geração de energia em larga escala tem riscos. Mas o risco é maior quando a gente desconhece este processo”, diz. Na usina de Angra III, a parceria com a Alemanha prevê maior transferência de tecnologia para o Brasil, mas não sobre todo o processo.

Riscos em toda a cadeia

Ricardo Baitelo, coordenador da campanha por energias renováveis do Greenpeace, reconhece que a probabilidade de um acidente em uma usina nuclear é pequena. “Mas, na ocorrência de um acidente, temos grande impacto sobre áreas, sobre pessoas e sobre o ambiente afetado”, pondera. Baitelo aponta que a geração de energia nuclear no Brasil apresenta riscos em toda sua cadeia. Segundo ele, a mineração do urânio feita em Caetité, no sul da Bahia, tem causado contaminação do solo e da água. O transporte do conteúdo radioativo até Angra dos Reis é feito, em alguns trechos, de caminhão — um risco, segundo ele, devido à má qualidade de nossas estradas.

Com relação aos rejeitos nucleares, Baitelo diz que os depósitos, feitos para armazenarem urânio por séculos, são insuficientes, uma vez que esta substância dura milhares de anos. Além disso, ele afirma que nem só grandes acidentes podem causar danos. “Podem acontecer acidentes de menor escala, não explosões. Vazamentos de conteúdo radioativo acontecem frequentemente nas usinas ao redor do mundo. Um pequeno vazamento pode representar riscos ao meio ambiente e à saúde, haja vista o problema que tivemos com o césio no Brasil”, diz. Segundo o integrante do Greenpeace, o raio de evacuação da população no complexo nuclear de Angra dos Reis é muito pequeno. Baitelo lembra ainda que os acidentes com radioatividade costumam ter consequência perene, uma vez que os efeitos são transmitidos para descendentes dos contaminados.

Apesar das ressalvas quanto à energia nuclear, nem o Greenpeace, nem Lucas Kerr se opõem à utilização da tecnologia nuclear para a medicina, a indústria e a agricultura. Nestas áreas, esta tecnologia tem representado grandes avanços, seja em exames médicos, ou auxiliando a indústria a detectar microfissuras em ligas metálicas, ou ainda na seleção de sementes de produtos agrícolas.

Complementação térmica

Para Guilherme Camargo, da ABEN, o próprio acidente no Japão prova que a geração de energia nuclear é segura, uma vez que não houve morte decorrente da radiação, nem há ainda registro de alguém seriamente contaminado. Ele ressalta que as usinas resistiram a um fortíssimo terremoto, seguido de um tsunami e que, mesmo com todo o colapso vivido pelo país asiático, medidas improvisadas conseguiram frear os problemas em Fukushima. Camargo aponta que Chernobyl foi o único acidente nuclear com graves consequências de que se tem registro. O outro grande acidente, ocorrido em Three Mile Island, nos EUA, também não matou ninguém.

Chernobyl: o maior de todos os acidentes nucleares

“Todas as estatísticas apontam a energia nuclear como a segunda mais segura, e também a segunda com menos impacto ambiental, só perdendo para a energia eólica”, diz o diretor da ABEN. Camargo afirma, porém, que a energia eólica não é capaz de fornecer grandes blocos de energia, necessários para o crescimento econômico do país. Ele diz que o Brasil vive uma dependência muito grande da energia hidrelétrica, que pode ser insuficiente em períodos de seca e levar o país a um apagão. A complementação por meio das energias termelétricas é fundamental, segundo Guilherme. E dentre as energia termelétricas a que mais pode corresponder, ele afirma, é a nuclear.

Hoje, as usinas nucleares representam entre 2% e 3% da capacidade instalada no país. Com a construção das usinas previstas, ela pode passar para entre 4% e 5% da capacidade de geração de energia do país. Guilherme Camargo explica que, em alguns períodos, a energia nuclear chega a representar cerca de 10% da energia consumida no país, porque é mais barata que as outras termelétricas. Segundo o especialista, a termelétrica a carvão deve continuar sendo competitiva no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, ao passo que o gás natural deve ganhar muito espaço se houver grandes reservas no pré-sal.

Além de mais barata dentre as termelétricas, a energia nuclear é a que menos agride o meio ambiente, sustenta Camargo, por ser a única que não queima combustíveis fósseis. “A questão dos rejeitos radioativos, que dizem ser uma desvantagem, na verdade é uma grande vantagem em relação às termelétricas a óleo, gás natural, petróleo”, diz. Em termos de segurança, o diretor da ABEN compara o ciclo da energia nuclear com o do carvão. “Anualmente milhares de pessoas morrem devido à mineração do carvão”, diz.

Guilherme Camargo rebate o que disse Lucas Kerr sobre o desconhecimento brasileiro a respeito da tecnologia das nossas usinas. “Temos absoluto domínio da tecnologia dos reatores que operamos. Temos capacidade de gerir qualquer emergência de forma tão ou mais competente do que o Japão está gerindo”, garante. Ele afirma que as inovações expostas por Kerr, como a geração de energia elétrica diretamente a partir da radioatividade, ainda estão no campo das ideias, são coisa para daqui a muitos anos. Mas o setor nuclear está sempre melhorando. Temos, no mínimo, cinco grandes institutos de pesquisa trabalhando permanentemente procurando melhorar as condições de segurança e confiabilidade das nossas usinas. Isto é uma rotina para nós”.

Energias renováveis

O Greenpeace fez recentemente a versão nacional do relatório “Revolução Energética”. O estudo realizado em parceria com instituições acadêmicas prevê que o Brasil, em 2050, utilizará quatro vezes mais energia do que hoje. Segundo os ambientalistas, é possível fazer isto extinguindo o uso de energia nuclear. A utilização de termelétricas ficaria concentrado no gás natural, o menos poluente, segundo Ricardo Baitelo. O país não construiria grandes hidrelétricas, mas trabalharia para “eficientizar” e “repontenciar” as existentes. “A entidade não se opõe às hidrelétricas, mas ao local em que vêm sendo feitas, na Amazônia. Pequenas centrais hidrelétricas podem ser sustentáveis, dependendo do local. Mas o ponto principal seria uma revisão dos projetos existentes. Temos usinas antigas cujos projetos podem ser eficientizados e repotenciados. O projeto do Greenpeace prevê crescimento das hidrelétricas, mas com todas estas questões”, diz.

Além das hidrelétricas e do gás natural, o estudo do Greenpeace prevê o crescimento das energias eólica, solar, da biomassa e também maior eficiência no uso de energia. “Só com energia eólica poderíamos atender três vezes o que precisamos hoje. E com solar, vinte vezes esta demanda”, afirma Ricardo Baitelo. Quanto à biomassa, o ativista afirma que a entidade defende a eficientização do uso da cana, utilizando parte da cana que não costuma ser usada. Além disso, o Greenpeace defende a produção de cana apenas em áreas já degradadas, como no interior de São Paulo. Baitelo ressalta ainda que as queimadas vêm sendo reduzidas nesta produção, e que eles defendem não apenas o uso da cana. “Para a biomassa a gente pensou não só na cana, mas em dejetos de suínos, reciclagem de óleo de cozinha”.

O diretor do Isape, Lucas Kerr, pondera que as energias eólica e solar são bastante caras, porque é preciso construir grande capacidade instalada para gerar pouca energia. “A energia eólica é, em média, três ou quatro vezes mais cara que a hidrelétrica. A solar chega a ser oito vezes mais cara”. Kerr defende a expansão das hidrelétricas, mesmo com os impactos sociais e ambientais. “A energia renovável mais abundante e barata que temos hoje é a hidrelétrica. Geralmente onde dá para instalar é longe dos grandes centros consumidores e, via de regra, teremos impactos sociais e ambientais. Defenderia novas hidrelétricas, mesmo com o impacto que as usinas geram”, diz.

Para complementação de energia, Kerr aposta na energia eólica que, segundo ele, tem o mesmo custo que a energia nuclear, e bem menos riscos. Esta fonte de energia ocupa destaque no plano brasileiro, e deve crescer até 2030. O especialista em segurança energética ressalta que o Brasil utiliza muito mal a energia termosolar. A energia solar para gerar eletricidade é muito cara, mas para esquentar a água de chuveiros, torneiras e até de uso industrial é uma solução barata, amplamente difundida em vários países. “Energia termosolar é muito barata e o Brasil a subaproveita de maneira absurda. O governo deveria incentivar o uso dela”.

Lucas Kerr conta que a biomassa já tem um papel importante na matriz energética do país. “A biomassa para gerar eletricidade já é importante no Brasil, com a queima de bagaço de cana e resíduos da produção agrícola Hoje, já equivale a uma Itaipu”. Ele afirma que o grande defeito do plano do país para energia até 2030 é a pouca importância dada ao biogás. “A gente tem formas de energia baratas que não estão incluídas com destaque, como o biogás. Um dos defeitos do nosso planejamento. Ele pode ser tirado de qualquer resíduo orgânico e produzir energia a partir da queima do biogás. Você reduz metano na atmosfera e ainda produz energia. É tão barato que compete com a hidrelétrica”, diz.

Kerr sugere ainda que o Brasil invista pesado em um programa para o biodiesel. De acordo com ele, plantas típicas da Amazônia podem ser usadas para reflorestas áreas desmatadas, gerando ainda combustível. Hoje, a produção de biodiesel se baseia na soja, mas frutas como a mamona têm produtividade muito maior que a do grão. Seu único revés seria a demora em alguns para a produção. “Demora para plantar, mas são plantas tropicais, formam uma floresta perene. A soja produz bem menos. Poderia se reflorestar as partes da Amazônia desmatadas, com babaçu, dendê, e outras plantas. Para isso, tem que investir dinheiro”.


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