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10 de fevereiro de 2011
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00:45

Tarifas de ônibus sobem e usuários protestam. De 1994 até agora, o aumento foi de 629,73%

Por
Sul 21
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Protesto contra preços das passagens em Porto Alegre / Ramiro Furquim/Sul21

Rachel Duarte

Os reajustes das passagens dos ônibus municipais em 17 cidades brasileiras têm gerado protestos em todo o país. Estudantes e militantes de organizações contra o aumento das tarifas têm convocado manifestações e articulado um movimento para barrar os reajustes. Em Porto Alegre, uma proposta de aumento de 14,69% na tarifa dos ônibus, apresentada pelo Sindicato das Empresas de Ônibus de Porto Alegre (Seopa), foi parcialmente absorvida e causou reações dos usuários. O valor da passagem pulou, nesta quarta-feira (9), de R$ 2,45 para R$ 2,70. Caso a proposta dos empresários tivesse sido aceita integralmente, a passagem chegaria ao valor de R$ 2,81. A passagem de lotação (micro-ônibus) passou de R$ 3,65 para R$ 4,00, um aumento de 9,59%. A aprovação do reajuste ocorreu nesta terça-feira (8), tendo a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa) como únicos integrantes do Conselho Municipal de Transportes Urbanos que votaram contra o percentual aprovado.

Segundo estudos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese), de 1994 a 2011, o valor das passagens na capital gaúcha aumentou 629,73%. Nestes 17 anos, a inflação foi 257,44%.

Os novos preços foram sancionados ainda ontem (8) pelo prefeito José Fortunati (PDT) e hoje (9) os coletivos já exibiam adesivos informando o reajuste. O Comitê de Luta Contra o Aumento da Passagem organizou manifestações, enquanto entidades estudantis e movimentos sindicais realizaram um ato qualificando a atitude da prefeitura de antidemocrática, devido à falta de tempo para diálogo com a sociedade, e de abusiva, por representar um valor acima do aceitável para uma cidade como Porto Alegre.

“Assim como a prefeitura está aberta a um debate amplo na saúde pública, sobre a contratação de profissionais por meio de fundação, também queremos um debate sobre o aumento da passagem do transporte coletivo. É inadmissível este aumento ao apagar das luzes colocando a população toda a pagar agora”, argumentou Martina Pereira Gomes, estudante e usuária de ônibus.

A mobilização contou com mais de 100 jovens de grêmios estudantis, diretórios acadêmicos, entidades e movimentos estudantis e trabalhistas, além de representantes da juventude dos partidos de esquerda. A concentração ocorreu na Avenida Júlio de Castilhos, próximo à Rodoviária, e seguiu pela Avenida Mauá até a Prefeitura de Porto Alegre. Em frente ao Paço Municipal, jovens da União Brasileira de Estudantes (UBES) aguardavam o grupo. O trajeto foi acompanhado de uma chuva torrencial, que animava ainda mais a marcha. Os gritos eram constantes e se adequavam ao aumento da tarifa e ao mau tempo. “Pode chover, pode molhar. Mas este roubo eu não vou pagar”, gritavam os jovens.

Os cidadãos que circulavam em frente à mobilização interagiam em favor dos jovens e contra o aumento da passagem. Usuário de ônibus em Porto Alegre, Rodolfo Loureiro da Rosa não conteve os gritos de indignação contra o sistema que permite sucessivos aumentos no transporte público brasileiro, qualificado por ele como “exploratório”. “O povo já recebe uma miséria e sofre por um aumento salarial. Quando vem, ainda é pequeno. Agora, este roubo na passagem. O problema é que, infelizmente, o povo não se une para questionar. Não é à toa que eles usam períodos de férias para tomar este tipo de medida”, salientou o assalariado.

O ato em frente à prefeitura foi organizado. As entidades promotoras do protesto, apresentavam seus argumentos contra o reajuste. Os vereadores de Porto Alegre Pedro Ruas e Fernanda Melchionna (PSOL) acompanharam a manifestação e contestaram a recorrência de aumentos. “Este gesto dos estudantes é o reflexo do que ocorre todos os anos entre o Comtu, os empresários e a Prefeitura. É uma negociação que exclui os vereadores”, disse Pedro Ruas.

Fernanda Melchionna (E), vereadora do PSol, participou dos protestos /Ramiro Furquim/Sul21

Já Fernanda Melchionna comparou as desigualdades entre os aumentos salariais de cargos políticos com os dos trabalhadores, “que ainda têm que sofrer com medidas onerosas como a do aumento no transporte público”.

Em meio ao protesto, acompanhada por um efetivo de policiais militares e guardas municipais, uma moradora de rua provocou um momento de tensão. Empolgada com a agitação dos jovens, a mulher ensaiou uns paços de dança nas escadarias da prefeitura e foi contida pelos guardas. Os manifestantes reagiram à postura firme dos agentes de segurança municipal, o que provocou a convocação da Brigada Militar. Os brigadianos formaram um bloco de contenção entre os jovens e a entrada da prefeitura.

Moradora de rua é retirada da frente da prefeitura / Ramiro Furquim/Sul21

Transparência

Superado o momento tenso e, após incessantes pedidos de um encontro com o prefeito José Fortunati, feitos por meio do carro de som locado pelos estudantes, os assessores do poder público municipal anunciaram a possibilidade do Executivo receber o Comitê de Luta Contra o Aumento da Passagem. Uma hora de chuva depois, cinco representantes das entidades que estavam protestando foram convidados a entrar na Prefeitura. Os jovens foram recebidos pelo secretário municipal adjunto de Governança, Marco Botelho, que não garantiu uma audiência pública para discutir o tema. Mas, apontou com a possibilidade de os jovens serem ouvidos pelo prefeito Fortunati.

Sem definição sobre a data do encontro, os estudantes deixaram a sala, onde foram recebidos, e se acorrentaram na grade de uma porta. “As contas que geram o aumento da passagem não são claras. O mais incrível é que a proposta de ontem (8), às 14 horas, foi aprovada e já estavam os informes nos ônibus hoje (9). Só sairemos daqui quando tivermos a data da audiência marcada”, afirmou Gabriel Zartti do DCE da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Ramiro Furquim/Sul21

O que diz a EPTC

Técnicos da área econômica da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) elaboram a planilha de custos do sistema de transporte para definir a contraproposta ao reajuste inicial proposto pelos empresários, que, no início deste ano, foi de 14,69%. Segundo o presidente da EPTC, Vanderlei Capellari, o Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM) é o balizador da solicitação de aumento por parte das empresas de transporte coletivo. “Se o IGPM ultrapassa 6% eles (empresas) podem solicitar aumento. As negociações já vinham sendo feitas e o aumento já era para ter acontecido em 2010, mas atrasou o dissídio coletivo”, explicou Capelari.

Capellari disse que uma pequena crise de frota, oriunda da aquisição de 42 novos veículos, também refletiu na necessidade de aumento. Além do reajuste salarial dos rodoviários de 110%. “A partir do dia 1º de julho, os estudantes serão isentos da segunda passagem cobrada na tarifa integrada”, alertou o presidente da EPTC.

Vanderlei Capellari, ao lado da primeira-dama municipal Regina Becker /Foto; Divulgação

Segundo dados da Empresa Pública de Transportes Coletivos (EPTC), dentre os itens que compõe o custo da tarifa de ônibus de Porto Alegre, o item pessoal é o mais representativo com 44,12% do total. O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese) analisou os dados e emitiu nota oficial nesta quarta-feira (9). O Dieese questiona o percentual de reajuste, aprovado pela Prefeitura.

“Analisando esse indicador, verificamos que, em 1994, o salário de um motorista comprava 1.184 passagens e, com o novo valor, em 2011, passou a comprar apenas 599. Isso significa que o salário do motorista em 94 comprava 97,75% a mais de passagens do que hoje. Nesse período, entre 1994 e 2011, o valor das passagens aumentou 629,73%, enquanto a inflação medida pelo INPC/IBGE foi de 257,44%, ou seja, as tarifas tiveram um reajuste de 104,15% acima da inflação”, aponta o documento.

Gráfico

O Dieese também analisou outro componente importante do custo da passagem: o combustível. Não encontraram justificativa para tamanho o índice de reajuste das passagens. “Em 2010, o preço médio do óleo diesel em Porto Alegre, segundo dados do IEPE/UFRGS, registrou aumento de apenas 0,83%. Dessa forma, não há argumento que sustente o reajuste nas passagens”, diz a nota.

O Departamento conclui que a medida tomada pela Prefeitura afeta o conjunto da população porto-alegrense, especialmente, os trabalhadores que não contam com nenhum subsídio para a compra das passagens, como aqueles sem carteira assinada (incluindo os empregados domésticos) e autônomos. Conforme estatísticas da Pesquisa de Emprego e Desemprego de Porto Alegre (PED-POA), em novembro de 2010, a Capital gaúcha tinha 187 mil trabalhadores nessa condição, além de 52 mil desempregados. O preço da passagem pode inviabilizar a busca por um trabalho, causando grandes impactos sociais.

“É um absurdo esse aumento, mas, todo o começo de ano está acontecendo. Estamos começando a nos acostumar”, disse a estudante Stefani Vinsky ao descer do ônibus no Mercado Público.

Semana nacional de protestos

Por volta das 14 horas, uma intervenção da presidente do Cepers, Rejane de Oliveira, garantiu a saída tranquila dos jovens qe haviam se acorrentado a uma grade. Eles deixaram a prefeitura sem a definição da data da audiência com o prefeito José Fortunati. O grupo promete voltar a protestar no próximo dia 17, quando ocorrerá o Dia Nacional de Luta contra o Aumento da Passagem.

Nesta segunda-feira (7) foi iniciada a Semana Nacional do Tuitaço, que irá até a sexta-feira (11). O tuitaço trata-se de uma mobilização pelo Twitter em que as pessoas, através da hashtag #contraoaumento, manifestam sua insatisfação com o reajuste das passagens. Este é o segundo tuitaço realizado neste ano. O primeiro aconteceu no dia 28 de janeiro.


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