Últimas Notícias>Internacional|Noticias
|
24 de fevereiro de 2011
|
00:48

Revoltas no mundo árabe refletem no preço do petróleo e Brasil sente impacto da crise

Por
Sul 21
[email protected]
Conflito na Líbia acende sinal amarelo a potências do Ocidente - Crethi Plethi/Flickr

Igor Natusch

Enquanto a crise nos países árabes limitava-se a Tunísia e Egito, as oscilações na economia mundial eram menos intensas, ainda que já significativas. Porém, com os recentes acontecimentos em outros países, em especial na Líbia, o sinal amarelo acendeu com força para as potências ocidentais. A Líbia é o 12º maior produtor de petróleo do planeta, além de exportar grandes quantidades de gás para toda a Europa. A instabilidade que pode tirar Muammar Kadafi do poder acaba tendo reflexos inevitáveis sobre uma das principais commodities da economia mundial – o que acaba atingindo também o Brasil, ainda que de forma menos direta do que talvez parecesse a princípio.

Os preços do petróleo sofreram grande alta nessa quarta-feira (23). Na balança da companhia financeira Intercontinental Exchange (ICE), os contratos do petróleo Brent para abril fecharam a US$ 111,25 por barril. Segundo analistas internacionais, um valor superior de US$ 120,00 é suficiente para caracterizar crise nos preços do petróleo. Na contramão dessa tendência, o índice Bovespa fechou em alta de 0,71%, com as ações da Petrobras em disparada. Um indicativo de que o Brasil pode estar, na esteira do pré-sal, surgindo como uma alternativa econômica importante também no setor energético.

Brasil sofre impacto indireto

“Nossas relações comerciais com esses países (árabes) não são muito expressivas. Um pouco maiores com o Egito, mas mesmo assim não é um comércio muito significativo, dentro do panorama global da nossa economia”, explica Fábio Martins Faria, vice-presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). O impacto direto, segundo ele, é limitado a alguns setores da nossa produção, como as exportações de carne e açúcar. “Essas são áreas onde negócios acabam sendo adiados, onde ocorre alguma paralisação de atividades econômicas”, explica.

O que não impede, é claro, que o Brasil sinta os reflexos da incerteza que toma conta da economia global. “O Brasil é um país cujo crescimento econômico é bastante vinculado ao que acontece no sistema internacional”, diz Marcelo Suano, diretor do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (CEIRI). Para ele, uma eventual crise global causada pelos preços do petróleo afetaria o poder de compra das grandes nações, o que teria reflexos inevitáveis em nosso país. “A instabilidade tem reflexos fortes em uma região que é estratégica para grandes economias, além do receio de que a crise cresça e provoque guerra civil em países como a Líbia. Tudo isso reflete aqui (no Brasil), queiramos ou não”.

Luiz Fernando de Paula, professor de Ciências Econômicas da UERJ, diz que o Brasil tem certa autossuficiência em termos energéticos, com estoques elevados e reservas para tempos de oscilação econômica. “Mas a cotação do petróleo é definida internacionalmente. Mesmo que o presidente da Petrobras (José Sergio Gabrielli) tenha garantido que manterá os preços no Brasil, o mercado internacional está nervoso. O aumento no preço do petróleo pode diminuir o poder de compra de outros países e prejudicar a nossa balança comercial”, diz o economista.

Mas Marcelo Suano ressalta que o Brasil tem dado sinais de que pode superar bem eventuais consequências da instabilidade no mundo árabe, e quem sabe até se beneficiar economicamente. “Se o pré-sal tiver de fato o impacto que dele se espera, pode ser um grande estímulo para investimentos e para o empreendedorismo no Brasil”, afirma o diretor do CEIRI. O desenvolvimento de outros setores produtivos, na opinião de Suano, pode não apenas garantir autossuficiência, como também permitir ao Brasil ocupar brechas no panorama internacional. “Nossa aproximação com os EUA, por exemplo, tem sido bem conduzida. Está muito clara a posição brasileira de que queremos ser parceiros, que isso é ótimo, mas com o estabelecimento de critérios claros. É uma postura muito positiva”, acentua.

Ponto de interrogação

Fábio Martins Faria, da AEB, adverte que ainda não há clareza quanto à real extensão das revoltas no mundo árabe. “O efeito econômico pode se ampliar sobre o Brasil, ainda que de forma indireta”, admite. Opinião compartilhada pelo professor Luiz Fernando de Paula, da UERJ. “Ainda não sabemos ao certo o tamanho do barulho. Se a onda alcançar a Arábia Saudita, por exemplo, o impacto econômico será muito maior. Tudo depende dos desdobramentos”.

Marcelo Suano, do CEIRI, diz que o papel do Ocidente será no sentido de implementar um processo de transição nos países árabes, criando instituições capazes de consolidar um regime democrático. “A resposta da população árabe nessas revoltas deixa muito claro que as pessoas não aguentam mais viver em uma ditadura. Então, o Ocidente não pode apoiar regimes ditatoriais”. Mas Suano adverte que não é possível prever até que ponto os nossos padrões de democracia podem gerar um verdadeiro equilíbrio político nesses países. “Alguns países, como a Jordânia e o próprio Egito, possuem instituições mais próximas do nosso modelo de democracia. Em outros lugares, como na Arábia Saudita e na Líbia, isso não existe. Nesses países, a democracia é um ponto de interrogação”, argumenta.

Luiz Fernando de Paula, da UERJ, concorda que o valor mais importante, em termos econômicos, nem é tanto a democracia, mas sim a estabilidade política. “A Colômbia, por exemplo, é um regime democrático, mas instável”, lembra. “Os países árabes são heterogêneos entre si. O Egito, por exemplo, é uma cultura milenar, tem uma classe média, uma intelectualidade. A Líbia já é diferente, não tem nada disso, é baseada em uma estrutura social de fundo tribal. São realidades muito diferentes, ninguém sabe como vão reagir a longo prazo”. Já Fábio Martins Faria, da AEB, acredita que a despersonalização dos governos é sempre melhor para a economia global. “Em regimes mais abertos, o que vale mais é a capacidade e a competitividade. As relações econômicas não ficam condicionadas a um governante específico, que pode fazer mudanças drásticas sem nenhum tipo de previsão”.

No processo de democratização desses regimes, Marcelo Suano acredita que as forças armadas terão papel fundamental. “Não defendo isso (a intervenção do Exército)”, ressalva. “Mas as forças armadas são a única instituição consolidada nesses países, a única capaz de dar o mínimo de consistência ao processo transitório”. E o resultado dessa transição pode não ser exatamente o que estamos esperando. “Acho que não teremos, pelo menos agora, governos estruturados de acordo com o nosso modo de ver a democracia”, diz o pesquisador. “Certamente teremos algumas liberdades e a garantia de direitos fundamentais em qualquer sistema democrático. Mas as respostas serão diferentes em cada caso”.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora