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27 de fevereiro de 2011
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19:46

Recursos da China e alto preço das commodities estimulam crescimento de países africanos

Por
Sul 21
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Índice de analfabetismo caiu nos países da África Subsaariana

Rachel Duarte

Os que ainda subestimam o crescimento vigoroso do continente africano podem se surpreender nos próximos cinco anos. A análise feita pela revista britânica The Economist, em janeiro, apontando países da África como os que mais devem crescer nos próximos anos, é agora reforçada com as informações divulgadas pela embaixada britânica em Angola, segundo as quais aumentou o número de empresas da Grâ-Bretanha interessadas em investir no país africano de língua portuguesa.

A tendência de empreendedores britânicos levou o ministro britânico para África, Henry Bellingham, a Luanda, capital de Angola. Lá, reuniu-se com empresários locais e reafirmou o interesse dos britânicos em detectar oportunidades de investimento no setor privado de altas tecnologias, indústria de geração de energia e comércio.

Segundo a The Economist, seis economias africanas devem ter um crescimento anual médio de cerca de 8%. A previsão foi feita com base na análise de dados do período de 2001 a 2011. Angola, Nigéria, Etiópia, Chade, Moçambique e Ruanda são os países que devem liderar o desenvolvimento africano.

Commodities e China impulsionam crescimento

Os preços altos das commodities e a grande demanda da China por matérias-primas são responsáveis pelo aceleramento econômico das nações africanas. Desde 2009, a China é o maior parceiro comercial da África, superando a União Europeia e os Estados Unidos. O volume de negócios entre a China e os países africanos bateu recorde em 2010, chegando a US$ 114,8 bilhões (aproximadamente R$ 194 bilhões), 43,5% mais que no ano anterior.

O interesse chinês é estratégico e político. O economista Elias Costa, pós-graduado na George Washington University, alerta que, em muitos países africanos, a China não obtém insumos nem produtos agrícolas como gostaria e não terá chances de obter. Por outro lado — afirma Costa — o aporte financeiro chinês é forte nos países em crescimento da África. Ele aponta duas razões básicas para isso: “garantir que os governos desses países não atrapalhem o comércio com a China e mostrar que a China, assim como os Estados Unidos, pode ser uma boa aliada política desses países”.

Costa acredita na possibilidade de a China estar tentando enfraquecer a hegemonia americana nesses países, em razão da intensa disputa diplomática que mantém com os Estados Unidos em relação à independência de Taiwan. “A China, com esse relacionamento político, procura se fortalecer com mais aliados junto às Nações Unidas, para quando a questão vier a ser debatida naquele fórum”, supõe.

Para as empresas ocidentais, a economia africana ainda aparenta ser minúscula, representando apenas 2% da produção mundial. Mas a participação da África está aumentando, não só por causa do crescimento vigoroso, mas porque o crescimento do PIB dos países africanos tem sido seriamente subestimado por outras economias.

Os países da África Subsaariana, onde se localizam Angola, Nigéria, Etiópia, Chade, Moçambique e Ruanda, têm sido beneficiados pelo preços obtidos pelas commodities de petróleo e de minerais e também por uma maior ajuda internacional. Estes são dois dos fatores que justificam o seu crescimento econômico. Segundo dados do Banco Mundial, a renda “per capita” aumentou de US$ 475 dólares em 2001 para US$ 1.126 em 2009, nesta região. A educação melhorou: 64% da população estudantil concluíram o curso primário (educação básica de quatro anos) em 2008 contra os 53% de 2001. A expectativa de vida passou de 50,2 para 52 anos. A taxa de mortalidade infantil até cinco anos reduziu-se de 78,7 em cada 1000 crianças nascidas vivas, em 2001, para 61 em 2009. Todos esses indicadores confirmam que há uma melhoria de condições de vida associada ao crescimento econômico. Porém, se comparado aos países de médio desenvolvimento e os do norte da África, os indicadores ainda deixam muito a desejar.

Estatísticas erraram no caso da Argentina

O economista Marcelo Suano, do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais, questiona as informações divulgadas pela revista britânica. Ele lembra do exemplo argentino. Em 2000, a Argentina sofreu forte impacto de uma crise econômica interna e se reergueu. Quando o país sul-americano retomou o rumo do crescimento, as projeções feitas na época, segundo Suano, apontavam dados tão otimistas quanto os divulgados em 2011 pela revista britânica a respeito da África. “Se falava do fabuloso crescimento da Argentina, mas na verdade os dados eram fruto de um rebote estatístico. O país vinha num crescimento progressivo e quebrou. Quando passa a ser zero de novo o crescimento se torna expressivo, porque parte do zero, mas, não é crescimento real. É o que acontece hoje com a África”, argumentou.

Apesar de questionar a estatística, Suano reconhece que a África tomou seu espaço entre as grandes potências em desenvolvimento. O economista acredita que os investimentos mais fortes nos países africanos são da Índia e da China. Mas, afirma, “o continente africano ainda está se descobrindo nas relações exteriores”.

Já para o professor de macroeconomia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), André Scherer, há duas questões fundamentais que podem estar interligadas com os indicadores de crescimento vigoroso da África: uma mudança nos termos do intercâmbio comercial mundial e a base muito pequena de comparação utilizada na análise. Ele explica que, depois de 2003, os preços dos produtos primários começaram a aumentar mais do que o dos produtos industrializados. “Isso favorece os países chamados mais pobres, que normalmente tem mais recursos naturais e menor capacidade tecnológica”, explica.


Demanda por alimentos, a grande aliada do crescimento

A grande aliada dos países em desenvolvimento, como os africanos, segundo Scherer, é a demanda mundial por alimentos, que hoje supera a demanda por produtos tecnológicos. “E essa modificação do cenário econômico é rara no capitalismo, porque produtos de tecnologia, normalmente, têm demanda crescente. A última vez que isso ocorreu foi no final do século 19 e início do século 20. E, após a 2ª Guerra Mundial, mas de forma rápida”, contextualiza.

O segundo aspecto apontado pelo economista para compreender as projeções de crescimento das economias africanos é a baixa base de comparação. “O que seria um pequeno incremento para o Brasil se torna um grande incremento para Angola. Com isso, a taxa de crescimento se reflete muito mais rápido”, explica.

A África é rica em recursos naturais como minérios, madeira e petróleo, mas o comércio com o resto do mundo costuma ser difícil. Entre as causas estão a infraestrutura precária, a instabilidade governamental, o impacto da Aids na população em idade economicamente ativa e a corrupção. De acordo com índices da ONG Transparência Internacional, a Angola, que é país líder de crescimento nos últimos dez anos, esteve no período de 2001 a 2010 entre os dez países mais corruptos.

O engenheiro gaúcho, Uilson Dutra da Silva, esteve em Angola no período de 2008 a 2010. Ele conta que a aposta dos governos africanos está sendo justamente investir na infraestrutura para equilibrar as diferenças econômicas entre a África do Sul e a África Subsaariana. “Tirando África do Sul, Camarões e Núbia, o restante é muito pobre. A Copa do Mundo também causou um desequilíbrio, pois a África venceu a disputa para sediar o campeonato mundial antes da crise econômica mundial, que retraiu a economia”, disse.

A empresa de Dutra e outras empresas brasileiras tiveram que deixar Angola, em razão das dificuldades econômicas que o país enfrentou pós-crise mundial. Outro fator que precipitou a saída dos brasileiros foi o crescimento de investimentos da União Europeia e da China. “Antes de deixarmos Angola, a África como um todo já vinha crescendo. Um crescimento anual do PIB de 9%. Quando saímos de lá, os efeitos da crise prejudicaram a cotação dos barris de petróleo, principal produto de exportação da África, e a China veio com tudo para investir”, falou.

Brasil cria alternativas para investir como EUA e a China

O Brasil é o que menos investe nos países africanos, por também ser uma nação em desenvolvimento e ter menos riquezas, o que o impossibilita de fazer elevados investimentos como os EUA e a China. Historicamente, a conduta brasileira foi de uma efetiva política de embaixada com o continente. Porém, desde o segundo semestre de 2010, o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) se uniu ao Eximbank para buscar oportunidades de investimentos do Brasil e dos EUA em países africanos e da América Latina. A intenção é investir nestes países, mas, as formas ainda estão sendo avaliadas pelos governos brasileiro e americano. A intenção é enfrentar a agressividade da China no crescimento econômico mundial.

Fórum em Maputo contra a opressão da mulher - Foto: Bárbara Satos

Presidente da Comissão Internacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), César Britto relata que a relação proposta pelo Brasil com a África é diferente da apresentada pela China. Segundo ele, o potencial dos africanos interessa para uma relação de troca — não meramente comercial –, que permita o crescimento conjunto do Brasil com os países africanos. “Nós estamos realizando um intercâmbio com o Sudão, numa perspectiva de convênios e intercâmbios. Vemos os africanos como irmãos, não temos uma aproximação colonizadora”, disse.

Para o economista Elias Costa, que foi consultor do Fundo Monetário Internacional (FMI), no período de 1996 a 2009, esta política de troca é adotada principalmente com os países de colonização portuguesa, como Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau. Ele critica o fato de a relação ter sido tradicionalmente de muitas promessas e poucos resultados. Costa, porém, se diz confiante no atual governo de Dilma Rousseff. “A promessa de que o Brasil vai adotar uma política de crescimento conjunto, facilitando as relações entre os países africanos e o nosso país, vem ao encontro de uma responsabilidade que o Brasil deve assumir, especialmente por ser a maior economia dentre os países lusófonos. Espero que a Dilma seja capaz de concretizar esse nosso sonho”, projeta.

Aposentado do Banco Central, Costa revela que todo o investimento brasileiro nos países africanos se deve a empresas brasileiras, que tiveram a iniciativa de explorar estes mercados. Para isso, obtêm linhas de financiamento de bancos oficiais brasileiros. “Não há um banco brasileiro, nem mesmo público, com presença física nesses países. Não há uma indústria que tenha recebido um apoio para lá se instalar. Não há um meio de transporte apoiado pelo governo brasileiro para facilitar o comércio internacional entre o Brasil e aqueles países. Um frango brasileiro tem de viajar à Holanda ou a Portugal, antes de desembarcar em Angola ou São Tomé, com intermediários que encarecem o produto para os africanos”, critica.

Segundo Elias Costa, um dos pontos positivos da relação do Brasil com os países lusófonos é a concessão de bolsas de estudo nas universidades públicas brasileiras para estudantes vindos destes lugares. “Muitos jovens de Angola, Cabo Verde e São Tomé estudaram ou estão estudando no Brasil. Já se encontram muitos líderes naqueles países que obtiveram sua formação no Brasil. Esse incentivo deve ser continuado e aperfeiçoado”, estima.


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