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14 de fevereiro de 2011
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23:01

Militares uruguaios aposentados ameaçam jornalista que investiga crimes da ditadura

Por
Sul 21
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Jair Kirschke, presidente do MJDH do RS ? Agência Subverta!

Felipe Prestes

O jornalista uruguaio Roger Rodriguez publicou no último dia 4, na revista Caras & Caretas, um artigo em que mapeia a organização na internet dos militares aposentados de seu país, que cometeram crimes durante a ditadura. Nos dias em que se seguiram, militares e seus apoiadores publicaram em uma comunidade do Facebook dados pessoais do jornalista, como filiação, número do documento de identidade, telefone e até um mapa com um suposto endereço do repórter.

A discussão dos militantes pró-ditadura na rede social virou notícia na grande imprensa uruguaia. Além de colaborar com a revista Caras & Caretas, Roger Rodriguez é repórter do jornal La República e é conhecido por seu trabalho investigativo que ajuda a desvendar os crimes cometidos pelo governo militar uruguaio. O fato também deixou em alerta entidades de jornalistas e de defesa dos direitos humanos em todo o mundo.

“Estamos movendo a comunidade de jornalistas e de defesa dos direitos humanos. Enviamos carta ao presidente uruguaio José Mujica pedindo providências”, conta o presidente do Movimento gaúcho de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke. O ativista afirma que o procedimento de tornar público dados de um jornalista é bastante utilizado pelo narcotráfico na Colômbia e na região de Juarez, no México. “Sempre pode haver um desafeto mais fanático, que acha que está fazendo um grande serviço ao matar um jornalista”, diz Krischke.

Na carta, que o Movimento de Justiça e Direitos Humanos assina em conjunto com a União Internacional de Trabalhadores da Alimentação (UITA), ressalta-se que Roger Rodríguez há 25 anos investiga e denuncia violações de Direitos Humanos ocorridas durante as ditaduras militares no Cone Sul. As entidades “exortam” o presidente uruguaio a “implementar as medidas necessárias para o esclarecimento da situação e para garantir a segurança de Roger Rodríguez e de sua família”.

Entidades como a Repórteres Sem Fronteiras estão acompanhando o caso. A Asociación de la Prensa Uruguaya divulgou um comunicado em que “rechaça qualquer intento de intimidação e ameaça contra os trabalhadores no livre desempenho de suas tarefas de investigação, expressão e difusão da opinião pública”.

Militares organizados

Em seu artigo para a Caras & Caretas, Roger Rodríguez mostra que foi formado o “Foro Libertad y Concordia”, tendo como líderes o coronel Juan Pérez, cuja residência sediou a fundação do grupo, e o coronel Juan Carlos Araújo Sbarra, conferencista da área “psicossocial” do Centro de Altos Estudios Nacionales (Calen), que atua como porta-voz do grupo à imprensa.

O foro foi constituído em dezembro de 2010, com apoio de grupos como o “Tenientes de Artigas”, formado, segundo Rodriguez, por reconhecidos torturadores, e o UnoAmerica, liderado pela oposição venezuelana e com a participação de partidos conservadores de todo o continente americano. A constituição do foro se deu pela internet, por meio do www.uruguaymilitaria.com, um site de debates sobre temas históricos e militares, e de oposição ao governo da Frente Ampla.

A comunidade de apoio ao Foro Libertad y Concordia no Facebook já conta com 1.754 membros. A descrição da página diz: “Este é um lugar para debater de forma sã o fustigamento que estão sofrendo as Forças Armadas uruguaias por parte da ‘Justiça’. O ponto de partida, para aqueles que não estão informados, é a maneira como estão sendo levados a cabo os julgamentos dos militares. Estas pessoas não têm garantias de nenhum tipo; na maioria dos casos, estes militares e policiais têm sido processados SEM provas”.

A participação de militares foi flagrante na divulgação dos dados pessoais do jornalista Roger Rodríguez. Foi o tenente-coronel aposentado Hector Marcos Varela González quem postou na página a filiação, o número da cédula de identidade, o telefone e o endereço de Rodríguez. E ainda solicitou “aos membros do grupo de apoio confirmar a localização da rua xxxx. Obrigado”. Logo veio uma resposta, de um integrante chamado Javier Bussi, que colou um mapa indicando o endereço do jornalista.

Varela declarou à rádio Metrópolis que o ato não deveria ser visto como “intimidatório”, mas como um “intercâmbio de informações”. Disse que a divulgação dos dados de Roger Rodríguez era para “que se saiba quem está escrevendo”. O tenente-coronel disse que Rodríguez publicou “endereços e coisas fortes de muitos camaradas”. A divulgação de dados do jornalista seria, portanto, uma resposta.

Julgamentos reforçam a tensão

O recrudescimento dos militares aposentados no Uruguai não se dá por acaso. Desde outubro de 2009, a Suprema Corte do país platino já vem considerando a Ley de Caducidad (lei de 1984 com objetivo de caducar os crimes políticos cometidos no país durante o regime de exceção) inconstitucional para vários crimes cometidos durante a ditadura militar uruguaia, porque ela viola os princípios da Convenção Americana de Direitos Humanos — tratado do qual tanto Uruguai quanto Brasil são signatários.

O acirramento se dá de forma mais intensa desde o final do ano passado. Em novembro de 2010, a Justiça considerou inconstitucional a aplicação da Ley de Caducidad para 20 assassinatos cometidos durante a ditadura no Uruguai.

Foi o estopim para a reação dos militares. No mês de janeiro, o Foro Libertad y Concórdia enviou carta ao comandante-em-chefe das Forças Armadas, Jorge Rosales. No texto, os militares dizem ao comandante que se estabeleceu um “pensamento único” no Uruguai e ameaçam que, caso se perpetue esta situação, “estaremos do outro lado e não respaldaremos estas omissões, fazendo sentir-se nossa vez, que será muito forte, extremo a que não gostaríamos de chegar jamais”.

A carta teve enorme repercussão na imprensa uruguaia, mas não surtiu o efeito desejado pelos membros do Foro. No dia de 10 de fevereiro, a Suprema Corte considerou inconstitucional a aplicação da Ley de Caducidad para os assassinatos de cinco guerrilheiros tupamaros que, em 1974, foram levados clandestinamente para a Argentina e, lá, assassinados.


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