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17 de fevereiro de 2011
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08:00

Filho de Jango, deposto por golpe que instituiu uma ditadura, cultua a ditadura dos aiatolás no Irã

Por
Sul 21
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Ricardo Setti *

João Vicente Goulart, 52 anos, filho mais velho do ex-presidente João Goulart, o Jango, corteja ditadores que fariam corar de vergonha o pai, deposto por um golpe militar que instituiu a ditadura que sufocou o país durante duas décadas, a partir de 1964. Ele é amigo e fã da feroz ditadura dos aiatolás no Irã.

João Vicente, cujo pai morreu em 1976, na Argentina, se define como “filósofo, poeta e empresário”, mora em Brasília, preside um instituto que leva o nome do ex-presidente e tentou a sorte das urnas nas últimas eleições.

Modesto, ensaiou um voo curto de galinha, tentando uma vaga na famigerada Câmara Distrital do Distrito Federal.

O filho de Jango, espertamente, adotou um nome mais sintonizado com o passado: cortou o “Vicente” da cédula e adotou um esperto “João Goulart Filho”, para não deixar o eleitor em dúvida.

O truque não pegou: abertas as urnas, o candidato nº 12012 do PDT brasiliense foi agraciado com esquálidos, miseráveis 674 votos, exatamente 0,05% do contingente de 1,8 milhão de eleitores do DF. A eleita menos votada dos 24 deputados, da coligação PMN-PP, teve 7.771 votos.

Goulart, com seus 674 votos, conseguiu apenas seis mais do que arrebanhou André Esqueleto (PV), sufragado por 668 bravos eleitores.

Na longa lista de derrotados, o filho do ex-presidente ficou atrás de candidatos de nomes exóticos que só a fauna política brasiliese poderia produzir, como Jaba PMN (713 votos), Eustáquio Cabelereiro PR (832), Ivan Saia da Fila PTdoB (1.569) e, por ironia da história, Guarda Jânio PSB (13.735, menos de 0,1% dos eleitores).

Isento de ocupar uma cadeira no parlamento distrital pela sabedoria do povo da capital, João Vicente Goulart, agora retomando o antigo nome de guerra, desatinou. Na condição de diretor Instituto Presidente João Goulart, o filho relata uma espantosa audiência com o embaixador no Brasil do Irã, país que ele carimba como sede de uma “revolução límpida e transparente”.

Ecoando o discurso cretino do embaixador Mohsen Sharerzadeh, João Vicente esquece de falar sobre o massacre à oposição iraniana, a monstruosa pena de morte por apedrejamento de mulheres e o discurso desvairado do tirano Mahmoud Ahmadinejad, aquele que diz não ter existido o Holocausto e prega o aniquilamento do Estado de Israel.

O texto espantoso de João Vicente, publicado no Página 64, “veículo de comunicação do Instituto João Goulart”, é produto de uma entrevista coletiva dada a blogueiros da imprensa chamada “progressista”, sinônimo de petista e chapa branca.

Sob o título “Irã: 32 anos de uma revolução límpida e transparente”, a primeira linha já diz o que vem: “Foi um deleite de informações coesas, transparentes e libertárias”.

Leia a seguir — e, se puder, divirta-se. O texto é o original, incluídos eventuais desentendimentos de Goulart com regras de pontuação, acentuação e outras do idioma pátrio.

“Foi um deleite de informações coesas, transparentes e libertárias.

O embaixador do Irã, sr.Mohsen Sharerzadeh, ao receber-nos na embaixada do Irã para uma entrevista descontraída e sincera sobre os 32 da revolução islâmica no Irã, junto a vários outros companheiros blogueiros e progressistas (dizem que vamos formar uma corrente contra a mídia PIG), onde discorreu sobre os grandes avanços do povo iraniano nestes anos de consolidação revolucionária.

A grande surpresa, como sempre, foi o grande desconhecimento que nós ocidentais temos sobre os avanços sociais e tecnológicos desse povo unido e coeso em torno de seus princípios de autodeterminação política e social, que nós conhecemos, mas permanecemos estacionados na retórica, enquanto eles caminham em busca permanente do nacionalismo e avanço das conquistas obtidas com a revolução islâmica.

O país a esta altura já quebrou a dependência científica e tecnológica do Ocidente, buscando com técnicos puramente iranianos o desenvolvimento espacial, energético e de pesquisa científica, representando em média onze vezes mais que a média mundial. O satélite lançado com tecnologia própria há dias atrás foi inteiramente desenvolvido com tecnologia iraniana e pesquisado durante 25 anos.

Hoje o Irã fabrica aeronaves não tripuladas com alcance de mais de mil quilômetros, assim como submarinos, tanques, mísseis e navios militares para defender a soberania nacional, além de transferir tecnologia para 35 países diferentes.

Com sua simpatia, nos lembrava o Senhor Embaixador que muitas destas conquistas se deram com as sanções externas impostas pelo imperialismo e seus “amigos” do Oriente Médio, tendo o Irã que se voltar à tecnologia nacional.

Na área social os avanços foram de tal ordem que superam o Brasil em vários índices de desenvolvimento humano. Em 32 anos de revolução se atingiu um número de universitários, proporcionalmente maior que o nosso, sendo que 65% das cadeiras, são ocupadas por mulheres. Aumentou-se de 60 universidades para mais de 400 na revolução islâmica. , cinco milhões de universitários para uma população de pouco mais de 70 milhões de habitantes.

Nos índices de saúde pública aumentaram o tempo de vida média para 72 anos às mulheres e 62 anos os homens, quando antes da revolução, no tempo do títere Reza Phalevi imposto pelos americanos esta média de idade era de apenas 52 para as mulheres e 49 para os homens. A população alfabetizada pulou de 50% para 99% nos dias de hoje.

È por isso que cada vez mais nós brasileiros devemos tomar á frente às rédeas de nossa informação como fizemos nós, estes blogueiros intrépidos que hoje colocamos em nossos sites as informações de este belo, sincero e amigo bate-papo descontraído, porém altamente informativo e com caráter de desmistificação daquelas velhas informações deturpadas e advindas dos meios de comunicação a serviço das elites, que de uma forma ou outra tentam não só segregar esta nação amiga, como só enaltecem os ditadores amigos dos EUA.

Como fizeram com os também 30 anos de regime de força do “compadre” Mubarak que acaba de cair, enquanto outros se consolidam em favor das causas populares respectivas de cada país, com o está fazendo este bravo e valente povo iraniano.

Parabéns Sr embaixador Mohsen, pelos 32 anos de caminhos alcançados, pela vitória social que a revolução islâmica trouxe ao seu povo dentro de sua cultura e que a luta pela emancipação do povo iraniano continue a liderar esse nacionalismo libertário para outros povos dessa região autônoma do nosso Planeta de forma límpida e transparente.

João Vicente Goulart.

Diretor do IPG Instituto Presidente João Goulart

Responsável pelo Jornal Página 64

* Jornalista
Pubicado originalmente na Coluna do Ricardo Setti

VEJA AQUI A RÉPLICA DE JOÃO VICENTE E A TRÉPLICA DE SETTI

De João Vicente Goulart para Ricardo Setti:

Prezado Setti,
Muito me surpreendeu sua verborréia e violência contra minha presença, junto a outros órgãos de comunicação alternativa na Embaixada do Irã, quando ali se fizeram presentes vários jornalistas para escutar as ponderações do Senhor Embaixador no 32° aniversario da Revolução Islâmica naquele país.

Mas não me surpreende em nada sua postura nada democrática de não respeitar opiniões divergentes do veículo que o emprega.
O Brasil passou por 20 anos de ditadura para que todos tivessem a liberdade de opinião mesmo que divergentes de pessoas como aqueles que respondem as ordens de seus patrões.

Passaram-se muitos anos de ditadura enquanto o Sr. Vitor Civita construía seu império gráfico defendendo a ditadura brasileira e os comandantes que a dirigiam, cassando, torturando e desaparecendo pessoas, enquanto a imprensa, jornalistas, políticos, estudantes e sindicalistas eram perseguidos apenas pela emissão de opiniões divergentes dos opressores que seu patrão reverenciava.

Hoje você responde também aos interesses Sul-africanos, oriundos da segregação racial que se fizeram sócios da Editora Abril. São os mesmos capitais que perseguiram a raça negra durante anos e não respeitam opiniões divergentes daqueles que se intitulam os donos da mídia.

Quando retornamos do exílio na anistia em 1979, sabíamos que desejávamos um país para todos os brasileiros independentemente de cor, religião ou divergência de opiniões.

Um Brasil onde coubessem todas as opiniões.

Parece que isso é o que dói na redação do órgão que o emprega, o saudosismo da ditadura que a sua empresa enalteceu e protegeu durante anos à fio.

Quanto a minha candidatura no Distrito Federal muito me orgulha haver participado, mesmo obtendo apenas 670 votos. O importante foi ter participado com altivez e cabeça erguida. Não tive um voto procedente de dinheiro sujo ou roubado. Não é o caso de outros apoiados pela grande imprensa.

Quanto a minha família, pode estar tranquilo Sr. Setti, ela é como tantas outras brasileiras com divergências e convergências de opiniões quando tratamos de assuntos políticos e/ou iniciativas particulares na vida.

Aliás, como a sua que possui um irmão trabalhando na TV SENADO e que tem como jornalista posturas e atitudes bem divergentes da sua. Políticas inclusive.

E para finalizar, meu caro jornalista, gostaria de lhe dizer que ser “enxovalhado” por Vc. e sua revista “Veja” para mim não é novidade de hoje, pois minha família e principalmente meu pai Presidente João Goulart, morto no exílio ainda na ditadura que vocês defendiam, foi uma constância em minha vida.

Ser ”enxovalhado” por esse órgão para mim não é desprezo, “é Currículo”.
Atenciosamente,

João Vicente Goulart.

De Ricardo Setti para João Vicente:

Prezado João Vicente:

Não sei como você pode interpretar críticas, ainda que pesadas, a sua postura pró-ditadura do Irã como “nada democráticas”. Talvez tenhamos visões diferentes da democracia. Eu considero absolutamente normais que haja divergências duras em relação ao que escrevo, como são os termos do comentário que você envia. Você, porém, considera críticas como as minhas “nada democráticas” e fala em ter sido “enxovalhado”. A meu ver, essa atitude é que não é nada democrática. Soa a stalinismo.

Quanto a suas observações sobre a Editora Abril e sobre VEJA, esclareço que sou um colunista independente, que escrevo o que quiser e que quem lê antes de mais ninguém meus textos é o leitor.

Mas você está profundamente mal informado, ou mal intencionado, sobre a postura de VEJA em relação à ditadura militar, que jamais defendeu e sempre combateu, tanto é que sofreu um longo período de censura — até eu, que não era ninguém na época, tive matéria censurada sobre uma homenagem prestada por estudantes da Unicamp ao então ex-ditador Médici que, descobri, havia sido “oferecida” aos jovens por sua assessoria.

Já dizer que eu “respondo a interesses sul-africanos” é puro delírio, que lamento no filho de um ex-presidente que aprendi a ver com carinho quando criança, nas reportagens que lia sobre o casal presidencial e seus dois filhos pequenos. Um delírio absoluto. Sei que a Abril tem participação de 30% — não mais — de capitais de um grupo de mídia sul-africano, que não interfere em suas diretrizes editoriais e muitíssimo menos na opinião dos colunistas.

Fazer essa alegação delirante e imaginar que eu de alguma forma possa ter estado ao lado da ditadura é que é tentar enxovalhar alguém, além de mostrar sua absoluta ignorância quanto à vida e à carreira do interlocutor e o quanto você desconhece do que se passa nos grandes veículos da mídia que tanto critica.

Atenciosamente,

Ricardo Setti


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