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25 de janeiro de 2011
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19:42

Max Schanzer, a memória gaúcha do holocausto

Por
Sul 21
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Bruno Alencastro/Sul21
Max Wachsmann Schanzer /Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Rachel Duarte

O polonês Max Wachsmann Schanzer, 83 anos, sobrevivente do holocausto, estará ao lado da presidenta Dilma Rousseff na cerimônia pelo Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, promovido pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), com apoio da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre, na quinta-feira (27).

Max chegou no Brasil em 1953 e, em Porto Alegre, em 1954, ano, lembra ele, em que o presidente Getúlio Vargas se suicidou. Perdeu sua família no campo de concentração de Auschwitz. Lembra que seus pais foram levados direto para as câmaras de gás. Ele e seus três irmãos foram enviados para um campo de trabalhos forçados.

Os olhos tristes e os cabelos brancos revelam o sofrimento pelo qual Max passou, durante a II Guerra Mundial. Ele é seletivo na hora de conceder entrevistas. Tem receio de que a história de sua vida seja distorcida. O Sul21 conversou com Max na sede da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, por exigência dele. A escolha do local é simbólico. Na Federação se reúne a terceira maior comunidade judaíca do Brasil, depois de São Paulo e Rio de Janeiro.

Para preservar na memória coletiva o que foi o holocausto, Max realiza palestras em colégios de Porto Alegre. Hoje, apesar da idade, trabalha como representante de uma das maiores empresas de informática do mundo, mantendo-se ocupado e evitando as sofridas lembranças dos anos de perseguição e das perdas sofridas na década de 40.

Rio Grande do Sul tem terceira maior comunidade judaica

Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21

No Rio Grande do Sul, a maioria dos judeus vive em Porto Alegre. A comunidade é integrada por um grande número de profissionais liberais, de empresários e de pessoas que se destacam nas áreas acadêmica e cultural. No interior do estado há comunidades organizadas, estão as maiores em Santa Maria, Passo Fundo, Erechim e Pelotas.

Como Max, a Organização das Nações Unidas (ONU) não quer que as pessoas esqueçam o drama vivido pelos judeus, sob o nazismo. Em resolução apoiada pelo Brasil, a ONU pede aos países-membros que elaborem programas de educação sobre o Holocausto e “condena sem reservas todas as manifestações de intolerância religiosa, de incentivo ao ódio, de perseguição ou de violência contra pessoas ou comunidades por causas étnicas ou religiosas e rejeita qualquer negação do Holocausto como fato histórico”. Porém, no Brasil, apenas Porto Alegre instituiu o holocausto como parte da disciplina de História nas escolas municipais. A lei municipal é de autoria do secretário da Produção, Indústria e Comércio de Porto Alegre, Valter Nagelstein, quando vereador da capital. Um grupo técnico da Secretaria Municipal da Educação com o apoio da Federação Israelita do Rio Grande do Sul organiza o conteúdo a ser inserido nas aulas.

“A dimensão horrível que teve este fato, pela sua forma industrial de matar pessoas, da banalidade do mal, precisa ser dita para as novas gerações. Muitos desconhecem a história”, diz Nagelstein. E projeta: “espero que nossa iniciativa seja a semente para as demais escolas também incluírem esse fato de ideário racista que fez tantas vítimas”.

O Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, instituído há seis anos pela ONU têm o mesmo objetivo, pelos quais trabalham Max e Naglestein: evitar que um novo holocausto aconteça.

“Sou um dos poucos que ainda vive e consegue falar sobre o holocausto”

Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Aqui os principais trechos da entrevista do polonês Max Wachsmann Schanzer:

Sul21 – Onde o senhor vivia e quantos anos tinha quando estourou a II Guerra Mundial?
Max Wachsmann Schanzer
– (MW) A II Guerra Mundial começou em 1939. Eu tinha 11 anos. Nasci em 1928, na cidade de Jaworzno, na Polônia. Sou um dos poucos que ainda vive e consegue falar sobre o holocausto. Muitos estão doentes ou não conseguem falar sobre o que aconteceu. Portanto, sou obrigado a cuidar desta memória.

Sul21 – O que significou este período e o que o senhor acredita que a geração do século 21 sabe sobre ele?
MW
– Para falar do holocausto tem que voltar à II Guerra Mundial. Os alemães esconderam muita coisa sobre os fatos da época para tentar passar por vítima na guerra e dizer que foram os judeus que atacaram. Então, temos que falar o que realmente aconteceu.

Sul21 – Conhecido como um dos piores massacres da história da humanidade, o holocausto foi provocado pelo antissemitismo?
MW
– Para falar de antissemitismo tem que analisar toda a história do povo judeu. Os judeus são uma nação de 4 mil anos. Tinha Isaac, Jacob, Moisés, Jesus. Os judeus são o único povo em que a religião está toda escrita em pergaminhos. Somos uma religião de paz e seguimos dez mandamentos — um deles é “não matarás”. E, de fato, nós não matamos. Apenas nos defendemos. Na história, nós, judeus, sempre fomos perseguidos por termos uma religião monoteísta. Fomos inclusive acusados pela religião católica. O antissemitismo sempre foi pelos judeus sempre serem ricos. Hitler sempre quis aniquilar os judeus, pela forte dominação judaica nos EUA e na própria Alemanha. Os judeus sempre dominaram e foram de áreas importantes ou grandes cientistas, como Einstein, Marx, Nietzsche… Então, tinha muita inveja. E, naquela época, para resolver os problemas se matavam os inimigos. O Hitler fez o que houve de pior no antissemitismo. Conseguimos sobreviver, mas, dos 13 bilhões de judeus, 100 milhões foram mortos.

“Em 1948 conseguimos fundar o estado de Israel”

Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Sul21 – Ainda é forte o antissemitismo hoje?
MW
– Hoje é difícil afirmar que há antissemitismo porque hoje nós temos o estado de Israel. Antes, há dois mil anos, não tinha o estado de Israel. Tinha nosso templo e Roma acabou com ele. Depois fomos indo de um lugar para outro. Sofremos com a inquisição havida na Espanha. Os judeus tiveram que se converter. Depois veio a II Guerra Mundial e o holocausto. Mas em 1948 conseguimos fundar o estado de Israel.

Sul21 – Quais os reflexos que ainda carregamos da guerra?
MW
– Hoje existe uma Europa unida. Mas antes, não era assim. Existiam guerras e a ordem era só matar. Hoje existe a Organização das Nações Unidas e é muito difícil que façamos uma guerra. A Polônia foi contra a Alemanha e a Alemanha contra a Rússia. Veio a I Guerra Mundial, depois a Alemanha se vingou e veio a II Guerra. Hoje é muito difícil que aconteça uma nova guerra.

Sul21 – Porto Alegre é a única cidade em que o holocausto integra a disciplina de história nas escolas municipais. Qual a sua opinião sobre isso?
MW
– Para explicar o que é holocausto, podemos usar um filme ou um livro. Mas, é importante uma pessoa falando isso ao vivo. É diferente, não tem como mentir ou distorcer. A Federação (Israelita do RS) agendou visitas às escolas para falar com as crianças e eu serei um dos que irá falar. Quando reunimos um grupo de 60 crianças e falamos sobre o holocausto, ninguém sabe o que é ou imagina o que houve. Muitos se surpreendem e perguntam se é verdade, se isso realmente aconteceu. E nós estamos aí para mostrar ao mundo o que realmente aconteceu. O que de fato foi o holocausto.

Sul21 – E o que de fato foi o holocausto?
MW
– Eu vivi o holocausto por seis anos. Tem muita coisa para contar. Foi uma das piores coisas que já aconteceu e eu a senti. Eu vivia na Polônia. Com a guerra fui para a Alemanha. Estive em Munique. Depois, de novo, na Polônia. (Estive na) França, Argentina, Bolívia e Brasil. Aqui fomos recebidos muito bem. O holocausto desestabilizou os países. Hoje tu vês polonês em todos os lugares. Muitos vieram sem saber quem foi o seu pai, quem foi a sua mãe. Então essa mistura eu chamo de holocausto. Fora o sofrimento durante o holocausto propriamente dito. Hoje, quando falo sobre isso nos colégios, procuro não fazer como o Lula, que fala demais e depois se perde e diz bobagem. Eu tenho tudo por escrito.

Então, para resumir em poucas palavras o que foi o Holocausto, eu digo: a Guerra começou em 1939. Os alemães invadiram a Polônia e eu e toda a minha família fomos confinados em um gueto. Em 1942, minha família foi levada em vagões de gado para o campo de extermínio de Auschwitz e foram enviados direto para as câmaras de gás. Eu e meus três irmãos fomos levados para campos de concentração de trabalhos forçados. Em 8 de maio de 1945, quando terminou a II Guerra mundial, fui libertado pelo exército russo. Após a guerra, fui para Polônia, Alemanha, França, Argentina, Bolívia e de lá vim para o Brasil.

“O passado já foi. Hoje os que pensam muito não estão vivos”

Bruno Alencastro/Sul21
Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Sul21 – O senhor tem muita lucidez sobre tudo o que aconteceu.
MW
– Eu procuro esquecer. Se eu pensasse muito, seria muito sofrimento. O passado já foi. Hoje os que pensam muito não estão vivos. E eu trabalho muito. Trabalho no ramo da informática e me dedico. Com o trabalho me mantenho vivo e com saúde. Mas, não desisto de mostrar ao mundo o que de fato aconteceu. Guerras sempre podem acontecer. Mas, hoje o mundo está mais unido. O único problema é que ainda existe muita pobreza. Hoje quem é pobre é muito pobre e os ricos, muito ricos.

Sul21 – O dia 27 de janeiro, Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, sempre foi prestigiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, a presidenta Dilma Rousseff participará da cerimônia. Como o senhor entende esta atitude?
MW
– Primeiro, o voto do judeu é importante. Nossa comunidade é grande. Depois tem o capital político nos Estados Unidos, onde somos fortes. A presidenta precisa agradar também o outro lado. Tem que atender aos pobres, mas tem que atender também a quem dá o dinheiro, que ajuda a movimentar o país. Mas, é um gesto de respeito com a nação judaica. E a Dilma também sofreu muito. Ela declarou que os pais eram descendentes de judeus que também vieram para o Brasil. Ela vem da Bulgária, que também sofreu muito com os russos. Ela sabe o que é o sofrimento da perseguição política. Ela tem elementos próprios para lembrar o holocausto.


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