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24 de dezembro de 2010
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12:00

Retorno de Ronaldinho ao Grêmio é chance de curar as feridas de 2001

Por
Sul 21
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Divulgação / Grêmio FBPA
Dez anos depois, Ronaldinho pode estar retornando ao Grêmio | Foto: Divulgação / Grêmio FBPA

Igor Natusch

Durante anos, uma questão surgia em muitas conversas de torcedores gremistas, às vezes como piada, às vezes como um dilema sério. Seria possível, para a torcida do Grêmio, aceitar Ronaldinho Gaúcho de volta, depois da polêmica que envolveu sua saída do time, em 2001? Seria possível perdoar a suposta traição do craque, que fez juras de amor ao Grêmio enquanto assinava pré-contratos com clubes da Europa? Ou essa questão tornou-se irrelevante, e o time só teria a ganhar com o retorno de um craque campeão do mundo, um dos mais talentosos jogadores revelados pelo Grêmio nas últimas décadas?

Pois as dúvidas, antes confinadas ao terreno da especulação, ganharam um contexto muito real na última semana. Segundo informações saídas do Estádio Olímpico, é forte a possibilidade de Ronaldinho voltar ao Brasil, vestindo novamente a camiseta que ostentou entre 1999 e 2001. O acerto entre o clube e o atleta, mediado pelo empresário e irmão de Ronaldinho, o ex-jogador Roberto Assis Moreira, já está alinhavado. Falta apenas a concordância do Milan para que o negócio seja anunciado.

A possibilidade é tão concreta que Assis antecipou a viagem para a Itália, que ocorreria na primeira semana de janeiro, indo ainda nesta quinta-feira (23) para reunir-se diretamente com os dirigentes do Milan. Em princípio, o atleta tem contrato com a equipe italiana até a metade do ano que vem, mas especula-se que o Milan liberará Ronaldinho, já que poderá perdê-lo sem compensação financeira a partir da metade do ano que vem.

Para viabilizar a contratação, o Grêmio trabalha em parceria com um grupo de empresários, buscando recursos que viabilizem o negócio. A ideia do clube é pagar mensalmente um valor que se mantenha dentro do teto salarial do Grêmio, complementando o montante com o aporte financeiro de parceiros. Além disso, o clube teria apresentado a Assis e Ronaldinho garantias financeiras, envolvendo a exploração da imagem do craque, em um projeto de marketing que também deve contribuir para viabilizar a contratação.

Vicente Fonseca, jornalista esportivo e responsável pelo blog Carta Na Manga, identifica a vinda de Ronaldinho como parte de uma política correta da direção gremista. “Gostei de saber que a contratação ficará dentro do teto do clube, e que o montante extra vai ser coberto por investimentos de empresários”, anima-se. “Para mim, é justamente isso que o Paulo Odone (presidente do Grêmio em 2011) tem que fazer: manter os melhores jogadores e trazer apenas peças capazes de fazer real diferença no time”.

O conselheiro gremista Antônio Carlos Maineri, por sua vez, acredita que o sucesso da vinda de Ronaldinho depende mesmo de um esquema “bem bolado” de marketing. “É uma situação conflitante, porque não se sabe se ele vai de fato jogar o que se espera dele. Mas é uma contratação que, se for bem explorada, pode fazer com que o torcedor se aproxime ainda mais do clube, aumentando a arrecadação com títulos de sócio e venda de camisetas e produtos licenciados”.

Saída de Ronaldinho foi traumática

Reto Stauffer
Foto: Reto Stauffer

As restrições de boa parte da torcida gremista a Ronaldinho têm origem em 2001, ano em que o jogador saiu do clube para defender o Paris Saint-Germain (PSG), da França. Enquanto dizia em entrevistas que amava o Grêmio e não pretendia ir embora, Ronaldinho assinou um pré-contrato com o PSG, além de travar negociações com o Arsenal, da Inglaterra. Do outro lado da crise, o então presidente gremista, José Alberto Guerreiro, dizia que o meia-atacante não sairia do clube, chegando ao ponto de colocar uma faixa na frente do Olímpico, escrita em português e inglês, na qual garantia que o clube não venderia seus craques para equipes europeias. Quando Ronaldinho foi para o PSG, os cofres gremistas não receberam nem um centavo.

A despedida do Olímpico ocorreu no dia 25 de janeiro de 2001, em partida contra o Figueirense, válida pela Copa Sul-Minas. Ronaldinho fez um gol, de falta – mas, ao invés dos aplausos, foi brindado com vaias de boa parte da torcida. Situação que se repetiu em 2009, na partida festiva que marcou a despedida do goleiro Danrlei. Assis, ele próprio ex-atleta do Grêmio, disputou o amistoso, chegou a marcar gol, mas foi alvo de insistentes vaias de uma parcela dos torcedores.

A direção gremista, que dias antes da saída de Ronaldinho havia elaborado um contrato de renovação com o craque, declarou-se traída pela negociação “clandestina” com o PSG, e entrou com processo na Justiça contra o craque e seus representantes. Com a ação, a confirmação do negócio ficou em suspenso, e o atleta passou sete meses sem poder atuar. O processo só foi extinto porque a FIFA impôs que o Grêmio desistisse, arbitrando um valor indenizatório ao clube em vendas futuras.

Até hoje, vários dos então dirigentes do clube manifestam-se em termos duros contra Ronaldinho e seu empresário, Assis. Por sua vez, Assis alega que o clube procedeu de forma errada com o atleta, negando a ele parte dos lucros obtidos pela negociação com a empresa ISL. No início de 2000, a então parceira comercial do Grêmio derramou um grande volume de recursos no clube. No entanto, esses valores não foram investidos em uma melhora salarial para Ronaldinho, o que teria sido a gota d’água que motivou Assis a negociar com outros clubes.

No fio da navalha

“Estive no olho do furacão, então não posso esquecer de tudo que aconteceu”, diz Homero Bellini Júnior, que era vice jurídico do Grêmio na época em que se deu o imbróglio. Segundo ele, foi um processo “muito difícil e desgastante”, no qual Ronaldinho e Assis comportaram-se de forma inadequada. “Não vou fazer de conta que, apenas porque está voltando, Ronaldo virou bom moço”, diz Bellini.

Darz Mol
Foto: Darz Mol

Para Bellini, quebrar a resistência da torcida é uma tarefa que cabe apenas ao próprio Ronaldinho. “Parte da torcida era nova na época, e depois de uma década muitos detalhes acabam sendo esquecidos. Mas muita gente ainda não esqueceu tudo que aconteceu, das declarações que o atleta deu enquanto assinava com outro clube. A vaia pode acontecer, e ele será muito cobrado”, comenta.

Antônio Carlos Maineri, que foi diretor de futebol do Grêmio em 1999, quando Ronaldinho surgiu para o futebol, diz que gosta do jogador e tem esperança de que o seu retorno possa ser um bom negócio. Mas adverte: Ronaldinho vai andar no “fio da navalha”, pelo menos nos próximos meses. “Vai haver cobrança, especialmente dos torcedores mais antigos. Ele vai ter que dar, agora em 2011, o retorno que se esperava dele quando surgiu no Grêmio. Se não der certo, pode ser uma situação muito frustrante. Espero que o desempenho dele em campo seja positivo”, diz Maineri.

Juliana de Brito, estudante de jornalismo e responsável pelo blog gremista no site GloboEsporte.com, é outra que se coloca favorável à volta de Ronaldinho. “Acima de tudo, acredito que é o momento certo para essa volta”, diz ela. “O Ronaldinho terá como articulador de sua reconciliação com a torcida ninguém menos que o maior ídolo do clube: Renato Portaluppi. Só com ele fazendo a intermediação é que o torcedor pode ter uma aceitação mais fácil e rápida”, argumenta. “Vejo que ninguém que é favorável deixa de ponderar, ninguém esqueceu o que ele fez. Infelizmente, alguns se dividem aos extremos, o que nunca é bom”.

André Kruse, blogueiro responsável pelo Grêmio 1983, posiciona-se de forma contrária. Para ele, “não há qualquer garantia” de que as questões entre Ronaldinho e o Grêmio podem ser superadas. “Desde 2001, o Ronaldinho não fez qualquer gesto que pudesse sinalizar arrependimento ou mesmo uma tentativa de reconciliação. Acho que o episódio não foi superado e nunca será. Um eventual sucesso dele nessa nova passagem pelo Grêmio não tem o condão de alterar o que aconteceu dez anos atrás”, diz Kruse.

Divulgação / Grêmio FBPA
Foto: Divulgação / Grêmio FBPA

Perdão passa por boas atuações

Juliana de Brito, do GloboEsporte.com, pensa que somente o próprio Ronaldinho pode fazer com que 2001 seja esquecido de vez. “Ronaldinho tem a vantagem de que ainda pode se redimir, ainda tem condições práticas para tanto. Será um processo longo. Mas, caso o Grêmio consiga combinar um título às boas atuações do meia, é provável que qualquer rusga seja superada”. Vicente Fonseca concorda. “Se ele começar jogando bem, a bronca será esquecida pela torcida. Ele terá que jogar bem e se doar muito, acima de tudo. O perdão dele passa por isso”.

“Acho que essa idéia de que ele vai sobrar no futebol brasileiro tem uma boa dose de pensamento mágico”, critica André Kruse. “No Milan, vejo ele com pouco comprometimento com o jogo. Ronaldinho não demonstra ter adquirido maturidade ao longo dos anos. Obviamente que com ele motivado, passando a se preparar melhor a análise passa a ser outra”, ressalva.

Mesmo mantendo um pé atrás quanto à negociação, Homero Bellini Jr. acredita que Ronaldinho vai “estar a fim” de mostrar serviço. “O único clube no mundo onde ele pode deixar de ser um ex-jogador é o Grêmio”, assegura. O ex-vice jurídico do clube recorda que Ronaldinho ainda é relativamente jovem (tem 30 anos) e nunca apresentou nenhuma lesão séria na carreira. “Se ele se dispuser a treinar, largar as festas e focar em um objetivo, não tenho dúvida de que pode voltar a ser o craque que já foi um dia. Tudo passa pela vontade dele”.

Antônio Carlos Maineri lembra que o sucesso do investimento em Ronaldinho passa por uma participação mais intensa do meio-campista em eventos de divulgação do Grêmio, tanto na capital quanto no interior do RS. “Quando houver uma festa do consulado, por exemplo, ele tem que topar aparecer, tem que se envolver. É um trabalho em vários níveis”, afirma.

Homero Bellini Jr. afirma ter grande confiança nos dirigentes gremistas que estão tocando a negociação, em especial no vice de futebol Antônio Vicente Martins. “Percebo neles uma convicção muito grande de que o negócio será rentável, que vai reverter positivamente para os cofres do Grêmio. Essa confiança deles me dá certo alento. Tenho certeza de que eles estão tomando todas as medidas necessárias para preservar os interesses do clube”.

“Pessoalmente, sigo não gostando do Ronaldinho, mas, agora que ele está perto, acho que a torcida deve relevar um pouco aquela saída conturbada dele em nome da esperança de ver o Grêmio ganhando títulos novamente”, diz Vicente Fonseca. “Talento a gente sabe que não se perde, só se lapida”, acrescenta Juliana de Brito. “Acredito que ele vai se entregar muito, pois tem consciência da dívida com a torcida e da confiança da diretoria. Tenho confiança que, com o Renato de comandante, ele, de algum jeito, jogue. E jogue bem”.


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