Apesar de ter estilo diferente de Lula, Dilma não promoverá alterações bruscas no governo

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Apesar de ter estilo diferente de Lula, Dilma não promoverá alterações bruscas no governo
Apesar de ter estilo diferente de Lula, Dilma não promoverá alterações bruscas no governo
Roberto Stuckert Filho
Presidenta eleita Dilma Rousseff com Lula no Palácio do Planalto | Foto: Roberto Stuckert Filho

Samir Oliveira/ Especial Sul21

Depois de oito anos no comando do Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deixa não apenas o cargo, mas o legado que construiu durante os dois mandatos, para sua sucessora, a também petista Dilma Rousseff. Se é certo que não haverá alterações bruscas entre os dois governos, uma vez que ambos pertencem ao mesmo partido e trabalharam em sintonia desde 2003, é certo também que possuem estilos distintos.

Enquanto Lula prima pela informalidade e não se priva de desfiar um vasto repertório de piadas em discursos e solenidades, Dilma adota um comportamento mais sério, imprimindo desde já a marca da discrição e do comedimento no centro do poder brasileiro. Pouco menos de dois meses após a consagração pelas urnas, a presidente eleita oscilava entre mudanças e permanências na formação do ministério. Apesar de alguns nomes novos, como o do petista José Eduardo Cardozo para a pasta da Justiça, e do diplomata Antonio Patriota para chefiar o Itamaraty, muitos dos atuais ministros permanecerão no governo, ocupando o mesmo cargo ou sendo remanejado para outro.

Não bastasse o desafio de compor um ministério com um mínimo de identidade, Dilma enfrentou pressões dos aliados, especialmente do PMDB, que, com Michel Temer na vice-presidência, cobiçava mais postos de comando em Brasília.

Se for capaz de controlar a base aliada, Dilma terá relação tranquila com o Congresso

Ricardo Stuckert/PR
Lula lembra eleição de Dilma em seu pronunciamento / Foto: Ricardo Stuckert/PR

O editor executivo do portal Congresso em Foco, Rudolfo Lago, acredita que a relação da presidente eleita com os peemedebistas será o termômetro do futuro governo. Se o descontentamento dos peemedebistas, recentemente sufocado, ressurgir, Dilma poderá sofrer represálias nas votações do Parlamento. “Se, na hora em que se começar a discutir os temas de interesse do governo no Congresso, ninguém estiver 100% satisfeito, os parlamentares podem dar o troco”, projeta Lago.

O jornalista acredita que, a contrário do que aconteceu durante o governo Lula, a relação da futura presidente com o Congresso será tranquila, “se ela for capaz de controlar a base, sem fazer com que o PMDB repita práticas do governo Lula, quando, em alguns momentos, se unia à oposição para pressionar ou dar recados”, avalia. O deputado federal Henrique Fontana (PT), ex-líder do governo Lula na Câmara, minimiza o impacto das divergências acontecidas com os peemedebistas, durante a montagem do ministério de Dilma. “Para cada ministro nomeado, sempre há cinco ou seis insatisfeitos”, brinca.

Para o parlamentar, o fato de Temer ser o vice-presidente unifica a bancada peemedebista e traz estabilidade à nova administração. Mesmo assim, o petista reconhece que é impossível obter o apoio de toda a base aliada. “As necessidades globais de um governo quase nunca coincidem com a necessidade individual de cada parlamentar. Às vezes a votação de alguma medida do Executivo pode colocar o deputado em contradição com parte da sua base”, reconhece.

Fontana: “Papel do PT tem que ser o de dar equilíbrio às forças aliadas”

Divulgação
Henrique Fontana / Foto: Divulgação

Fontana destaca que, assim como Lula passou por cima de pressupostos petistas e domou algumas tendências do partido para governar, Dilma terá que ser maior que sua legenda. “O papel do PT tem que ser o de dar equilíbrio às forças aliadas, sem se antecipar ou ditar rumos. Qualquer presidente precisa ser maior que seu partido, e Dilma também será. Muitas vezes ela terá que contrariar interesses petistas.”

Diferentemente de Lula, que precisou conquistar a passos lentos e cuidadosos o apoio de empresários e líderes internacionais, Dilma não terá esse problema. Ela chega à presidência respaldada pelo governo Lula, sem precisar se aventurar em grandes alterações no quadro institucional. A eleita repetirá a fórmula de sucesso do antecessor, que soube preservar uma política econômica estável e deixar de molho os discursos ferrenhos contra o setor privado, feitos na década de 1980.

“Era um medo muito mais relacionado ao partido do que à pessoa. Se dizia no passado que o PT poderia desestabilizar o país. Mas o Lula teve capacidade de reconhecer alguns equívocos”, afirma o presidente da Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul), José Paulo Dornelles Cairoli. Ele aposta que Dilma não enfrentará resistências dos empresários por possuir um perfil mais executivo, forjado na sua experiência de economista. Para o dirigente, o maior legado que a petista deixará no Planalto será o da eficiência administrativa. “Ela chega no momento ideal, quando o Brasil precisa controlar os gastos públicos. Com uma visão de gestora, conseguirá dar ao país uma estrutura mais adequada”, considera.

Cairoli: “Se não conseguirmos as mudanças ideais, temos de ter as possíveis”

Bruno Alencastro/Sul21
José Paulo Cairoli / Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Na esteira das reformas prometidas pela presidente, que, em tese, conta com ampla maioria no Congresso para realizá-las, Cairoli espera que saiam pelo menos alguns ajustes, principalmente nas áreas trabalhista e tributária. “Se não conseguirmos as mudanças ideais, temos que ver aquelas que serão possíveis. E a Dilma está focada nisso”, assegura.

Como prova de que priorizará a eficiência na gestão, Dilma trará para o seio do governo o empresário Jorge Gerdau Johannpeter, que tratará de implementar mecanismos de otimização à máquina pública. Além disso, a aproximação de Gerdau com o centro do governo facilita o trânsito da presidente eleita com a elite empresarial do país. “Sem dúvida nenhuma, a presença do Jorge dá uma dimensão muito positiva para o governo”, anima-se o presidente da Federasul.

Outra área que não deve sofrer muitos solavancos sob o comando de Dilma é a economia. Ao manter o ministro Guido Mantega no posto, a petista tranquiliza o mercado e demonstra que não pretende alterar o modelo mantido por Lula. Entretanto, a troca na presidência do Banco Central (BC), com a saída de Henrique Meirelles e a ascensão do gaúcho Alexandre Tombini é um sinal de que nem tudo ficará inerte na área. E, de acordo com especialistas, é um indicativo de que o BC perde espaço diante do Ministério da Fazenda.

Marchetti: “Haverá maior aproximação entre as políticas fiscal e monetária”

Alexandre Tombini: sinal de mudança no BC /Divulgação

Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia pela PUC-RS e especialista em crescimento econômico, Adalmir Marchetti projeta que haverá maior aproximação entre as políticas fiscal e monetária. “No governo Lula, a política fiscal era mais expansiva, voltada para o estímulo ao crescimento, e a política monetária era mais voltada ao combate da inflação. Com Dilma, ela passará a olhar para outros fenômenos”, arrisca. Na avaliação de Marchetti, o BC saiu perdendo com a crise internacional do final de 2008. “Um efeito importante da crise foi ter colocado em xeque a concepção mais liberal de funcionamento da economia (com menor intervenção do Estado). O Banco Central, que defendia essa idéia, perdeu poder. A saída de Meirelles é um indicativo disso”, explica.

Marchetti especula ainda que o alinhamento entre as duas diretrizes poderá alterar o comportamento da taxa de câmbio e resultar em uma redução da taxa Selic – índice determinado pelo governo, que baliza as taxas de juros cobradas no país. “Não é algo automático, que vá acontecer já em janeiro. Talvez tenhamos uma queda rápida, mas será fruto de um processo.”

Outro ponto nevrálgico do governo Lula, o meio ambiente, não deve sofrer alterações drásticas no mandato de Dilma. Durante a gestão de Lula, a área foi motivo de desentendimentos entre ministro – inclusive fruto de críticas da própria presidente eleita – e seu ministério e sofreu três alterações: começou com Marina Silva, depois teve Carlos Minc e Izabella Teixeira. A permanência de Izabella na pasta demonstra que Dilma não pretende mudar a política ambiental. Ex-ministra da Casa Civil, a petista protagonizou atritos com Marina devido à liberação de licenças ambientais para as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). E sofreu duras críticas da adversária na campanha eleitoral, que lhe atribuía a pecha de “desenvolvimentista”, relegando as questões ambientais a um segundo plano.

Beto Moesch: “Desafio de Dilma será reduzir ainda mais os níveis de desmatamento na Amazônia”

Vereador Beto Moesch (PP) / Foto Divulgação CMPA

Antes mesmo das eleições, em dezembro de 2009, o presidente Lula levou Dilma para a COP 15, a convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) que reuniu líderes mundiais para debater as mudanças climáticas. Na avaliação do vereador de Porto Alegre Beto Moesch (PP), que tem forte atuação na questão ambiental, a participação de Dilma na conferência foi meramente eleitoreira. “Ofuscou a presença do (Carlos) Minc, que tinha elaborado as políticas públicas do Ministério”, recrimina. O parlamentar vai além. Afirma que “Dilma nunca se mostrou entendida no assunto”. Devido a seu perfil de gestora, passou por áreas pouco afeitas ao meio ambiente, como Minas e Energia, e a coordenação das grandes obras de infraestrutura do PAC.

Moesch considera que o principal desafio da eleita na área será reduzir ainda mais os níveis de desmatamento na Amazônia e evitar a prática nos outros biomas. “Houve redução na Amazônia, mas o mesmo não ocorreu na Mata Atlântica e no Pampa, por exemplo”, informa. Além disso, o vereador aponta também a necessidade de se diversificar a matriz energética. Para ele, Dilma tende a seguir a política do governo Lula, que prioriza a instalação de grandes hidrelétricas. “Se, por um lado, aumentou a produção de energia eólica e de biocombustível, ainda há a opção por usinas nucleares, termoelétricas e mega-hidrelétricas”, condena.

Marco Aurélio Garcia: “a política internacional não sofrerá mudanças significativas”

Talvez uma das áreas em que mais ocorram mudanças em relação aos dois governos seja a da política externa. É quase um consenso entre os especialistas que Dilma não pretende relativizar alguns preceitos na relação entre países, como os direitos humanos, por exemplo.

O diretor do Centro de Estratégia, Inteligência e Relações Internacionais (Ceiri), Marcelo Suano, endossa a tese de que o novo governo será pautado por alguns princípios inegociáveis no plano global. Na avaliação do especialista, o fato de Lula ter sido forjado no ambiente sindical – que impele à negociação constante – faz com que ele adote discursos adaptados à conveniência do momento. “Ele se adapta a todas as mesas internacionais. No entanto, não há uma linha muito clara sobre o que seriam direitos humanos e democracia. Há uma linha clara nas relações econômicas e comerciais, isso sim”, analisa.

Para ele, a nova presidente vai equilibrar a distância entre os direitos humanos e as relações comerciais. “A Dilma vai se comportar diferente porque ela é obrigada, é mulher, participou de movimentos armados, combateu, foi perseguida. Não é da personalidade dela adotar um discurso excessivamente pragmático”, projeta.

A mudança de postura em relação ao Irã era dada como certa antes mesmo da eleição. Suano lembra que, quando o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, visitou o Brasil, no final de 2009, a então ministra da Casa Civil era voz contrária à vinda do controverso líder. “Na época, ela já dizia que o tratamento com o Irã deveria ser o de buscar questões comerciais, mas que não poderia se esgotar nisso”, rememora o especialista.

Antes mesmo de tomar posse, a eleita desferiu críticas ao Irã – país tido como estratégico para a projeção internacional do Brasil, com quem Lula estabeleceu sólidas relações. Ao ser questionada sobre a possibilidade de a nação muçulmana cumprir a condenação de apedrejamento imposta a Shakine Ahstiani, sob acusação de adultério, Dilma disparou: “Mesmo considerando os usos e costumes de outros países (o apedrejamento) continua sendo bárbaro”.

Na relação com a América do Sul, Suano acredita que a eleita assume em um momento de consolidação da liderança brasileira. “É capaz de ela dizer: ‘nós temos determinada linha e temos alguns princípios sobre os quais não negociamos”, palpita, referindo-se aos direitos humanos.
Para o diretor do Ceiri, o principal problema de Dilma no continente será a relação com a esquerda mais radical, representada por Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia) e Rafael Correa (Equador). “Vai ser complicado num primeiro momento. Mas o Chávez está em decadência, o Correa não está numa situação bem equilibrada. O Evo hoje é o ponto. Ele é o que tem maior estabilidade e está controlando totalmente o congresso”, observa.

Suano acredita que a posição de liderança natural do Brasil na América do Sul favorece o fortalecimento de Dilma. “O tamanho do Brasil obriga que ela assuma a liderança no continente. Esses três países não têm ninguém, eles precisam do Brasil, então terão que acatar determinados posicionamentos da nova presidente”, prevê.

Outra teoria que se ventila sobre a política externa é a de que Dilma daria mais prioridade ao estreitamento dos laços com os Estados Unidos. O assessor especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais, ministro Marco Aurélio Garcia, discorda dessa teoria. Ele, que vai permanecer no cargo, garante que a petista lhe pediu pessoalmente que dê mais atenção aos países vizinhos. “Lula teve tempo para construir as relações (com os presidentes sul-americanos). A Dilma também vai construir, está muito disposta a isso”, asseverou.

Garcia diz ainda que a política internacional não sofrerá mudanças significativas, mesmo com a saída de Celso Amorim para dar lugar a Antonio Patriota no comando do Ministério de Relações Exteriores. “Vamos ter o Itamaraty com a mesma orientação”, avaliza. Entretanto, Suano aponta que a saída de Amorim é um indicativo claro de mudanças na política internacional. “O Amorim se apresentava de uma forma em que as questões diplomáticas podiam estar submetidas às necessidades políticas. O Patriota não vai fazer isso. Ele vai ficar num período muito claro de transição, trabalhando tecnicamente e seguindo certas orientações que ainda vão se configurar”, arrisca o diretor do Ceiri.


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