Opinião
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31 de dezembro de 2010
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08:00

Governo Lula continuará em disputa

Por
Sul 21
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Luciano Rezende *

O salário mínimo, em termos reais, subiu e o chamado Risco Brasil caiu. A dívida com o FMI foi paga. A indústria naval ressurgiu e a malha ferroviária expandiu-se. Por sua vez, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) foi enterrada. Mais de dez novas universidades foram criadas, além de 40 extensões universitárias e mais de 200 novas escolas técnicas instaladas. As crises internacionais, se comparadas aos seus efeitos em outros países, passaram pelo Brasil como marolas e as reservas internacionais crescentes nos salvaram de pedir esmolas. Quase trinta milhões de pessoas saíram da linha de pobreza e mais de dez milhões de novos empregos aumentaram a certeza que o Brasil segue um rumo mais promissor. O Mercosul se fortaleceu. A auto-estima do povo cresceu e a direita perdeu.

Mas se daqui a 50 anos, um doutorando ou brasilianista qualquer financiado pela Fundação Ford, requisitado por um orientador conservador quiser passar a limpo os oito anos do governo Lula, não terá dificuldades em tirar da cartola algum “diário secreto” para servir de pretexto a bombardear o governo que ora se finda.

Tendo como fonte referencial exemplares da revista semanal mais vendida no Brasil (Veja) e as principais matérias veiculadas nos grandes meios de comunicação no período, facilmente se criará um novo Lula: o do maior esquema de corrupção (mensalão) do planeta, o alcoólatra viciado em cachaça, o censor que tentou calar a imprensa e o ditador que pactuou com Irã, Venezuela e Cuba. Tudo isso fartamente registrado nos jornais da época.

Em 2060 a maioria de nós, que ajudamos a eleger Lula presidente, já estará morta. Haverá, todavia, testemunhas ainda vivas que atestarão positivamente estes dois governos e que correrão o risco de serem chamadas de delirantes, saudosistas, jurássicas. Outros vacilantes se curvarão a fazer uma “autocrítica” à esquerda e renunciarão à defesa desta importante história.

A depender do grau de participação do capital privado nos grandes meios de comunicação até lá, uma ofensiva poderá ser patrocinada para macular a imagem do primeiro governo de esquerda no Brasil. Um bombardeio midiático baseado em “fatos reais” para desacreditar o povo em apostar num novo governo popular.

Forjar-se-á um novo Lula, relatado em depoimentos de pessoas que com ele conviveu (César Benjamim, por exemplo) e se prestarão a interpretá-lo à luz dos interesses dos prestidigitadores burgueses.

Para quem acha que essa previsão é puro devaneio, basta recorrer a história e ver que a mesma está prenhe destes artifícios. Melhor prevenir que remediar e escrever permanentemente a história da classe operária à guisa de seus legítimos interesses.

Muitos foram os que combateram o nazifascismo, elevaram a participação feminina na política, conquistaram a independência para seus países, melhoraram a vida dos povos e defenderam a paz num passado recente e que hoje estão excomungados diante da opinião pública. Heróis no passado, vilões no presente.

Isso já aconteceu e facilmente poderá ocorrer novamente, a depender de como encaremos a guerra das idéias. O clima emocionado da despedida é justo, mas tão logo passe esse momento da transição deve-se retomar a guarda.

O governo Lula ainda estará em disputa mesmo após o presidente passar sua faixa presidencial. Lutar pelo êxito do governo Dilma e defender o legado histórico deixado pelo primeiro governo popular de nossa história são tarefas complementares e vitais aos objetivos estratégicos da classe operária.

Tal como no futebol, onde os mais fanáticos parecem sofrer de transtorno bipolar, os campeões de hoje podem ser os algozes de amanhã. A partida segue em disputa, renhida e truncada apesar de estarmos na frente no placar.

*Engenheiro Agrônomo, professor do Instituto Federal do Alagoas
Originalmente publicado no Vermelho


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