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1 de dezembro de 2010
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20:13

Direção da TVE exonera CCs e agrava situação precária da Fundação Piratini

Por
Sul 21
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Igor Natusch

A exoneração de 19 funcionários da TVE e FM Cultura do Rio Grande do Sul, contratados em regime de comissão (CC), desnuda à opinião pública, uma vez mais, a situação precária vivida pela Fundação Piratini, que gerencia as duas emissoras. A decisão foi tomada pela presidência da Fundação, após publicação de acórdão da Justiça do Trabalho que impede o desvio de função de CCs, que devem atuar, por lei, apenas em funções de chefia ou assessoramento. A exoneração foi confirmada na terça-feira (30), e deve ser oficializada no dia 7 de dezembro. Com isso, além das dificuldades materiais, o futuro governo deve herdar também sérias dificuldades de pessoal. Com a diminuição do quadro funcional, vários programas de rádio e TV devem sair do ar, enquanto outros sofrerão mudanças de horário e duração.

A decisão do Ministério Público do Trabalho proíbe a Fundação Piratini de usar CCs em tarefas de apresentação, reportagem, edição, produção e demais funções técnicas relacionadas com rádio e televisão. A prática, considerada comum dentro da Fundação, é vista pelo presidente Ricardo Azeredo como fundamental para manter a programação no ar. “Os cargos comissionados ajudam a manter as emissoras funcionando, além de terem permitido que aumentássemos a programação local”, argumenta. Segundo ele, as dificuldades de contratação e a saída de pessoal por aposentadoria ou contratação por outros veículos acabam se agravando com a falta de concursos públicos, o que torna inevitável a contratação de funcionários por comissão.

Para piorar o problema, a governadora Yeda Crusius (PSDB) ofereceu, por meio da PL 356, vantagens para profissionais da Fundação que estivessem próximos da aposentadoria, concedendo benefícios acima do que seriam obtidos por meio do INSS. Mais de 10 funcionários aderiram a esse plano de aposentadoria, diminuindo ainda mais os quadros da TVE e FM Cultura. “Nosso quadro já é limitado, e essa decisão agrava a situação. Mas é direito dessas pessoas, não nos cabe contestar”, diz Ricardo Azeredo.

O presidente do Conselho da Fundação Piratini, Pedro Osório, e o futuro secretário-geral do governo Tarso, Estilac Xavier, se encontraram no final da manhã desta quarta-feira (1º). Entre os assuntos discutidos, a situação da Fundação teve espaço destacado. Pedro Osório, que admite abertamente a possibilidade de ser presidente da TVE no futuro governo, apresentou a Estilac Xavier um relatório sobre o caso. Um posicionamento mais efetivo da transição fica em suspenso até o retorno de Tarso Genro, que está de férias em Buenos Aires e volta na próxima sexta-feira (3). Mas a assessoria de imprensa do governador eleito garante que será realizado concurso público para ampliar e qualificar o quadro funcional da TVE e da Rádio Cultura. O último concurso envolvendo a TVE foi realizado em 2001, ainda durante o governo de Olívio Dutra.

Exoneração polêmica

O presidente da Fundação Piratini, Ricardo Azeredo, diz que não há muito que possa ser feito. Segundo ele, a decisão é definitiva, e nada resta à presidência a não ser cumpri-la. “O processo de concurso público é muito lento. Como a decisão só nos autoriza a usar CCs em cargos de chefia ou assessoria, não temos opção a não ser exonerar os funcionários”, argumenta.

Porém, a análise do acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região mostra que a decisão não implica necessariamente na exoneração desses profissionais. No documento, datado de 11 de novembro de 2010, lê-se apenas que a ré deve abster-se de “utilizar servidores admitidos para o exercício de cargos em comissão em atribuições distintas daquelas de direção, chefia e assessoramento, como as de editoria, produção e apresentação de programas e realização de reportagens”. Em teoria, os funcionários comissionados atingidos pela decisão poderiam continuar na TVE e na FM Cultura, exercendo cargos administrativos – o que poderia permitir, inclusive, a sua recondução aos cargos em caso de obtenção de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC).

O responsável pela ação que motivou a exoneração, Walmor Sperinde, acredita que a medida é uma retaliação aos funcionários que buscam regularizar a situação interna da Fundação. “Eu lamento que a situação tenha chegado a esse ponto, mas isso acontece por omissão dos gestores”, afirma. Walmor, que é coordenador de programação da FM Cultura, explica que entrou com a ação em 2005, no Ministério Público do Patrimônio. Apenas em 2009, devido à demora no trâmite dentro do MPP, que a questão foi encaminhada ao Ministério Público do Trabalho, que optou pela ação civil pública contra a Fundação Piratini.

Segundo Walmor Sperinde, a direção da Fundação Piratini se recusou a assinar vários Termos de Ajuste de Conduta propostos pelo declarante. “Falta vontade política. Um gestor comprometido com o interesse público não deixa chegar onde chegou”. Ele acha difícil que se obtenha um TAC agora, uma vez que a presidência da Fundação já se manifestou no sentido de não recorrer da decisão. “Sem recurso na PGE (Procuradoria Geral do Estado), o processo deve transitar em julgado. Além disso, falta argumentação. O uso de CCs em funções inadequadas é notório. Trata-se de uma verdade incontroversa”, argumenta.

O presidente do Conselho da Fundação Piratini, Pedro Osório, tem opinião diferente. Ele acredita que ainda seja possível protelar a execução da sentença, o que daria tempo para que fosse realizado concurso público. “Nossa estrutura está assentada na utilização de CCs nessas funções (na TVE e na FM Cultura). Não é possível administrar uma mudança brusca assim, de uma semana para outra. Isso pode até forçar as emissoras a saírem do ar. Acredito que seja possível (protelar), embora ainda estejamos estudando essa questão”, afirma Osório.

Passividade

Pedro Osório critica o que interpreta como uma postura de “passividade” da atual presidência da Fundação Piratini. “Ao menos no meu período (como presidente do Conselho), o Conselho nunca conseguiu tomar conhecimento das providências da Fundação a respeito do processo. O conselho foi ignorado, ao arrepio do estatuto”, diz Osório. “A decisão não me surpreende, só confirma a impressão que já tínhamos, de que a atual presidência não se comporta como direção. Não interpreto como má-fé, mas como pouco preparo para gerir um órgão público”.

“O que o governo quer, afinal de contas, com a TVE?”, pergunta Walmor Sperinde. Segundo ele, alguns CCs têm mais de 12 anos de emissora, e a Fundação Piratini acaba servindo como “cabide de empregos” para certos grupos. “Se houvesse uma vontade de prestigiar a emissora, teríamos investimentos em equipamentos e pessoal. Ao invés disso, temos carências em todos os setores”, lamenta.

O representante dos funcionários no Conselho da Fundação Piratini, o arquivista Alexandre Leboutte, diz que a maioria de seus colegas “não defende” o modo como a questão está sendo encaminhada. “O ideal seria que essa transição fosse conduzida paulatinamente”, argumenta. Segundo ele, houve tempo suficiente para um concurso público, que diminuiria muito o impacto da decisão. “Muitos concursados foram contratados por outros veículos e saíram da emissora. Vários outros se aposentaram, tivemos até falecimentos no quadro de funcionários. O governo sabia que tínhamos pouco pessoal, teve tempo de sobra para fazer concurso, e preferiu deixar a coisa crescer. Estourou agora”.

O presidente Ricardo Azeredo se defende, dizendo que a ação que provoca a exoneração é motivada por uma postura corporativista de alguns funcionários. “Os CCs, além de manter o alto nível da programação, trabalham com uma carga diferenciada. Cumprem até 8 horas por dia, enquanto os efetivos fazem 5 ou 6 horas. Infelizmente, a postura de alguns funcionários acaba sendo hostil aos cargos comissionados, o que motivou essa ação judicial”, argumenta. Walmor Sperinde discorda. “Já ouvi esse argumento (de que os CCs trabalham mais) muitas vezes, mas gostaria de ter acesso a dados que comprovem isso”, retruca.

Mudanças na programação

Com a exoneração dos 19 funcionários em regime comissionado, as programações da TVE e da FM Cultura sofrerão drásticas mudanças. “Ficamos quase sem apresentadores”, revela Alexandre Leboutte. Programas já tradicionais na grade da rádio, como o “Amanhecer Riograndense”, apresentado diariamente por Evandro Leboutte, correm sério risco de saírem do ar. Atrações conduzidas pelos radialistas Wilson Tubino e João Carlos Machado Filho também devem ficar fora do dial. Na TVE, o principal impacto é sobre o telejornalismo, que deve perder nove profissionais, entre apresentadores, repórteres, produtores e editores. O operador de externas também será exonerado, o que inviabilizará a produção de programas como o Concertos da OSPA e o Palcos da Vida.

O presidente da Fundação Piratini admite que a situação provoque grandes mudanças na programação das emissoras. Os telejornais não sairão do ar, mas a duração deles deve diminuir sensivelmente. Programas serão rearranjados na grade, enquanto os espaços vagos devem ser ocupados por reprises. “Infelizmente, a gente lega essa situação ao próximo governo”, lamenta Ricardo Azeredo.

A difícil situação da grade de programação encontra espelho nas dificuldades técnicas que consomem a Fundação Piratini. A fiscalização da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) esteve na Fundação nessa quarta-feira (1º) e constatou uma série de irregularidades. Os equipamentos estão sucateados, e importantes padrões técnicos não estão sendo cumpridos. A rádio, por exemplo, está operando há mais de quatro anos com um transmissor reserva, com potência de 1 KW, enquanto a especificação mínima é de 5 KW. Na TVE, a situação se repete: o aparelho, que deveria transmitir em potência mínima de 10 KW, não alcançaria nem mesmo 4 KW. Além disso, o plano de TV digital da emissora está parado, sem previsão de retomada.


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