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15 de novembro de 2010
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19:27

República é pra quem quer

Por
Sul 21
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Marcelo Carneiro da Cunha *

Pois cá estamos nós, dia 15 de novembro, uma das grandes datas e mais uma das que pouco pensamos a respeito, em nossa relação de distância e ceticismo para com grandes datas, nós brasileiros.

Eu meio gosto, meio não gosto dessa nossa iconoclastia. Por um lado, ela nos protege de palavras grandes, usadas pelos grandes, com objetivos que beneficiam a eles. Pátria é uma delas. Sempre acho que pátria é coisa deles, país é coisa nossa. Nação é coisa nossa. Cultura é coisa nossa. E acho que fazemos questão de marcar a diferença, de celebrar o que é nosso enquanto eles tentam convencer a gente a celebrar o que é deles. E, em geral, não conseguem. Lembram do 31 de março?

Peguemos a República, por exemplo. Como quase todo o resto na nossa história, ela foi uma criação de um grupo mesclado entre positivistas, maçons, maçons positivistas, anti-monarquistas influenciados pela Revolução Francesa e pelos nossos vizinhos americanos, cansados de sermos o único bloco dos nós-sozinhos com a nossa improvável e anacrônica monarquia e com a escravidão que sobrevivia graças a ela.

Militares positivistas e outros grupos resolveram que não dava mais pra pagar o mico de termos um imperador sendo algo tão pouco parecido com um império, fora o tamanho. E lá fomos nós, sem maiores tiroteios, como quase sempre, virar algo diferente do que até então éramos, continuando profundamente os mesmos. Essa foi sempre a nossa sina, não é mesmo? Mas a República trouxe novidades importantes, e é isso que talvez não seja suficientemente apreciado por nós, que a recebemos pronta, pelo menos do jeito que ela foi concebida. Ela era uma intenção modernizante, que deu de cara com a realidade do imutável, mas ainda assim implantou a separação entre a igreja e o estado, criou o casamento civil e promoveu o sistema métrico decimal. Antônio Conselheiro achava isso tudo coisa do demônio e se insurgiu contra a república, ou algo assim. Mais ou menos como atuam em 2010 o Silas Malafaia, Wellington Jr e Marina Silva, quem diria.

A nossa transformação em república se deu mais ou menos do jeito que tinha que dar, mudança de embalagem, muito mais do que do produto e isso continuou ao longo do século 20, até chegarmos a 1988, uma constituição com elementos importantes e que merecem ser melhor pensados e avaliados, se vamos compreender o que realmente acontece conosco.

E, lendo o primeiro-ministro de Portugal no seu texto “Meu Brasil é com S”, publicado na Folha de SP nesse dia 14, penso que, com duas eleições vencidas, com a Constituição de 88 e o legado de Ulysses Guimarães nas costas, Lula é o fundador da primeira república brasileira com cara e jeito de república brasileira. Pela primeira vez na nossa história um número de brasileiros em condições de participar efetivamente da vida do país é maior do que o número que ainda fica de fora do processo, ou, pelo menos, do mercado. Pela primeira vez sentimos que a vida institucional é mais forte do que os interesses ou desejos de grupos, sejam eles quais forem. Pela primeira vez vivemos uma certa normalidade com nosso habitat, e acreditamos que essa normalidade será preservada ao longo dos próximos tempos. Pela primeira vez a república parece mais forte do que as demais alternativas, e a vida dentro das regras republicanas, algo a ser vivido. Também é a primeira vez que o Brasil vive uma época de crescimento econômico, combate real à pobreza com reais perspectivas de sairmos ganhando, de inflação sob controle, moeda estável e o exército dormindo. Criamos o maior sistema do mundo de energia renovável e a gente nem se dá conta, de tão normal que parece. Encontramos muito, mas muito petróleo a sete quilômetros de profundidade e a trezentos da costa, e achamos que não fizemos mais do que a obrigação.

Há apenas umas décadas, nossas maiores conquistas se resumiam a copas do mundo, estimados leitores.

Pois hoje, 15 de novembro de 2010 me deu vontade, pela primeira vez na minha longuíssima existência, de festejar a nossa República. Fiz um churrasco na minha laje aqui em Pinheiros e não convidei ninguém, porque queria curtir o momento em silencio.

Para um brasileiro da minha geração, é estranha a sensação de poder celebrar algo tão complexo e inestimável quanto uma república toda nossa, uma forma de viver a nação na qual a nação ganha crescentemente poder, enquanto cresce.

É isso que eu festejo, embora os meus vizinhos não façam idéia do que seja. É isso que proponho a todos que pensem, reflitam, e, se acharem que vale a pena, celebrem. O dia de hoje, e olhem que eu não sentia nada disso por muitos e muitos anos, é nosso.

E vamos em frente, consolidar o que precisa ser melhor pensado e desenhado, contra os que querem o mundo como ele era antes de 1889, do mesmo e velho e cansado jeito de sempre.

* Escritor e jornalista


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