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13 de outubro de 2010
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11:17

José Serra, o privatista

Por
Sul 21
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Idelber Avelar (*)

Entre as pancadas que aparentemente José Serra não esperava receber no debate da Band de domingo passado, um dos mais incisivos foi o lembrete de Dilma: Candidato Serra, você foi ministro do Planejamento na época áurea das privatizações. E foi chefe do plano nacional de privatizações do Brasil. Eu gostaria de saber quantas empresas você privatizou nesse período além da Vale e das empresas mencionadas aqui – por exemplo, a Light? (Eu gostaria, inclusive, que todos os autores do comentário machista acerca de como Dilma está “bem treinada” soubessem o quanto da estratégia de domingo foi iniciativa dela, fora de qualquer script pré-estabelecido). Em todo caso, com essa pergunta, Dilma foi no nervo: as relações de José Serra com a privataria ainda merecem muitas linhas.

Em algumas comarcas, a figura de José Serra ainda é associada ao protagonismo do estado na economia—talvez pela comum confusão entre dirigismo econômico e autoritarismo político. Na verdade, é o insuspeito Fernando Henrique Cardoso quem atesta que José Serra é um privatista de pura cepa:

O decreto número 1.510, de 1o de junho de 1995, já citado pelo Rovai, dispôs sobre a inclusão da Companhia Vale do Rio Doce no Programa Nacional de Desestatização. As três assinaturas que constam do decreto publicado no Diário Oficial na sexta-feira, 02/06/1995, são de FHC, Raimundo Brito e José Serra. O blog entra em modo “recordar e viver” e lhes traz um fac símile do Diário Oficial daquela sexta-feira em que o Brasil começou a entregar a Vale:

A afirmação de que sob José Serra o Brasil correria o risco de entregar as riquezas do pré-sal não é “terrorismo eleitoral”, mas puro exercício de lógica condizente com a história passada do candidato. Afinal de contas, em um ano como Ministro do Planejamento, Serra privatizou 19 empresas (o número omitido por ele na resposta à pergunta de Dilma). Entre elas, estão a Light e a Excelsa, abrindo o setor elétrico para a privataria, a Copene, liquidando o setor petroquímico, e o Meridional, permitindo a entrada de capital estrangeiro na venda dos bancos oficiais. O esquemão é conhecido: emprestamos grana, via BNDES, a juros bem camaradas, para que a iniciativa privada adquira, com dinheiro público, patrimônio público—com os lucros, evidentemente, passando a mãos particulares, com frequência estrangeiras. Entre 1991 e 2002, o Brasil privatizou 165 empresas públicas.

Não foi nenhum “terrorista eleitoral” do PT, mas o próprio governo tucano quem afirmou, com todas as letras, segundo relato da insuspeita Veja, que este governo não retarda privatização … e vai vender tudo o que der para vender:

Quando você ouvir um serrista argumentar que aquelas privatizações eram necessárias, mas a riqueza do pré-sal não corre perigo, vale a pena ter em mãos outra coleção de documentos, a saber, todo o rastro do plano tucano de mudar a legislação referente ao pré-sal, privilegiando de novo o regime de concessão da produção, por oposição ao regime de partilha, adotado no governo Lula.

No dia 22 de março,o deputado economista Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB-ES), presidente do Instituto tucano Teotônio Vilela, deu entrevista ao Valor Econômico, na qual não só defendeu o modelo dos anos 90, como afirmou explicitamente falar em nome de Serra. Parafraseando o deputado tucano acerca do modelo para o pré-sal, disse o Valor: Cotado a coordenar a elaboração do programa de governo tucano à Presidência, o deputado fala em nome do candidato a presidente, o governador José Serra, e diz que o partido está fechado na defesa do modelo de 1997 para a campanha. No dia 05 de outubro, de novo no Valor Econômico, o assessor técnico para a área de energia da campanha de Serra (PSDB), David Zylbersztajn, disse que aconselhava o candidato a abandonar o modelo do atual governo federal, baseado na partilha, e adotar, para o pré-sal, o regime de concessões de campos de petróleo. A defesa das concessões está em site tucano oficial.

Demétrio Toledo, que estuda o assunto, já demonstrou, com conhecimento de causa, que foi um modelo de fortalecimento do bem público o responsável pelo sucesso social da Noruega na exploração do seu petróleo. Para quem ainda tem dúvidas sobre o desastroso legado das privatizações dos anos 90 na América Latina, o blog fortemente recomenda o documentário argentino Memoria del saqueo, que mapeia a pilhagem do patrimônio público nos anos Menem.

São, então, dois modelos bem diferentes de relação com o bem público. Se tornarmos a diferença entre eles clara o suficiente, a população brasileira responderá, como respondeu em 2006.

PS: Cristina Lobo, da Globo, mentiu no Twitter ao afirmar que Dilma havia se desculpado pela “agressividade” no debate da Band. Corrigida em duas ocasiões, em tuítes replicados mais de cinquenta vezes, ela não reconheceu o erro e cinicamente disse: Ok. Dilma não se desculpou, lamentou… Ta bem agora?, sem acrescentar que Dilma não lamentou nada que ela própria tivesse feito, mas sim o comportamento da campanha de Serra. Assim funcionam os mentirosos pagos pelas quatro famiglias. É impossível determinar o limite entre o analfabetismo e a desonestidade desses sabujos.

(*) Idelber Avelar é crítico literário, atleticano e blogueiro. Leciona em Tulane University. Divide seu tempo entre Nova Orleans e Belo Horizonte.


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